Crítica | Intocáveis

“Intocáveis” foi um evento curioso.

Extremamente eficaz em uma escala macro, o longa dirigido pela dupla Olivier Nakache & Éric Toledano se tornou um dos maiores sucessos da história do cinema francês, atingindo a segunda maior bilheteria tanto dentro do país (atrás de “A Riviera Não é Aqui”) como fora (atrás de “Lucy”) e superou em mais de 40 vezes seu orçamento de pouco menos de 11 milhões de dólares. Porém acho seguro dizer que seu impacto em uma escala micro tende a se revelar sua maior conquista com o tempo. Por que?

A par das críticas em sua maioria positivas, o filme foi infinitamente mais adorado pelas multidões, que frequentemente acabam deixando as boas ações de filmes parecidos serem confundidas com boas intenções. Pois assim como os recentes “Histórias Cruzadas”, “Estrelas Além do Tempo” e “Green Book”, “Intocáveis” é um feel good movie que tem como principal objetivo lhe mostrar o lado bom da humanidade mesmo em meio à adversidades e limitações, sejam elas físicas ou sociais. Mas, diferente destes filmes os quais citei acima que, por trás de suas belas mensagens, esconderam formas óbvias de se buscar premiações ao apelarem para o público branco, mostrando para o mesmo formas de se sentir melhor apenas por não compactuar com os racistas ali apresentados, “Intocáveis” praticamente ignora todas as diferenças sociais presentes na relação entre Philippe e Driss e não por falta de sensibilidade, mas pela quantidade exata desta.

Pois se a história, inspirada em uma memória de Philippe Pozzo di Borgo e seu cuidador, Abdel Sellou, já é interessante por si só, a abordagem do filme para com ela não apenas a impede de se tornar um melodrama auto-indulgente, mas traz um retrato social e humano sobre as diferenças que todos temos e, na maioria das vezes, deixamos que tomem conta da nossa forma de agir.

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Nesse sentido, a escalação de Omar Sy como Abdel se prova uma mudança considerável, mas narrativamente efetiva, com relação ao homem que interpreta. Filho de pais africanos, a cor negra do ator não apenas confere um peso ainda maior na relação entre ele e Phillipe, interpretado por François Cluzet, mas permite ao longa explorar as diferenças sociais e culturais presentes entre os dois. Um é negro, pobre e culturalmente limitado dentro do que lhe é disponível. O outro é branco, rico e preso dentro da cultura que lhe é requerida. Enquanto um sofre por problemas sistêmicos da sociedade que o impedem de ser mais do que alguém perdido a procura de demissões para viver de seguro desemprego, o outro sofre por não poder abusar de seu status devido a sua grave limitação física. Basicamente, Driss é preso, mas livre e Philippe é livre, mas preso.

A relação de ambos os atores, que esbanjam uma química enérgica e sincera em tela, é a força propulsora do longa, que derrapa aqui e ali ao tentar construir a vida individual de ambos. Vemos pouco sobre o drama familiar de Driss, e ainda menos sobre os problemas pessoais de Philippe, ambos os casos empalidecendo perto das divertidas interações entre os dois que tem seu auge sempre que um tenta ensinar algo para o outro. Nos momentos mais hilários, Driss dá gargalhadas no começo de uma ópera e ou se esquece ou se diverte com as limitações de Philippe, este sendo o principal motivo pelo milionário tê-lo contratado. Ele que, por sua vez, tenta mostrar a Driss um mundo que lhe fora negado durante toda sua vida, desde a arte às boas maneiras, completamente aquém da falta de educação apropriada que recebera. É divertido também ver como ambos interagem com mulheres pelas quais se apaixonam, uma delas sendo vivida com um olhar de desdém/divertimento delicioso pela bela Audrey Fleurot, mostrando como ambas as abordagens poderiam usar de um pouco mais uma da outra.

E é justamente por tratarem o outro como se fosse um dos seus, como se não fossem de uma cor, origem ou não tivessem uma condição física diferente, que sua amizade é tão verdadeira. Driss e Philippe se gostam pelo que são e não pelo que foram obrigados a se tornar e com momentos de mais pura leveza - como naquele belo plano onde eles vencem dos pedestres em uma corrida de cadeira de rodas -, “Intocáveis” faz o possível e o impossível para tocar o coração de todos sem ser forçado ou, pior ainda, congratulatório. É uma comédia com doses corretas de drama, que além de te deixar com um gosto bom após acabar, pode, e deve, te lembrar que a vida precisa tanto de risos como de lágrimas.

é um filme que, basicamente, te diz para Aproveitar o que tem, ou não terá nada.

8

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