Crítica | O Convite Ao Prazer (1980)

INTERCÂMBIO DE CLASSES

Em filme de conversas e toques, Khouri filma o vazio e o nada


Penso como seriam recebidos os filmes de Walter Hugo Khouri se ele fosse contemporâneo à patrulha dos bons costumes e do roteiro redondo. Porque para além do uso de nudez e do foco em desnudar suas personagens femininas (física, mental, emocional, filosoficamente), Khouri era um diretor (e roteirista) que construía para o nada.

Para o nada, e para nada.

Seus filmes sempre partem de mistérios e sugestões de uma verdade secreta e sombria, mas a resposta é simplória e delegada às mais carnais das vontades. Sua burguesia não é surrealista como a de Buñuel, ou perturbadora como a de Chabrol. Seus ricos - ou meio ricos, como ele próprio diria - não inspiram o sobrenatural e talvez nem a psicose, no fim, seus mistérios são grandes e retumbantes nadas.

O Convite ao Prazer se inicia, portanto, com um sexo pago na cadeira de um dentista. A cena é "feia", por assim dizer, filmada a meia luz na baixa resolução que se encontram seus filmes atualmente (há alguma função envolvendo sua família que impede uma restauração há muito devida), pisando no território do grotesco. Logo a seguir, um amigo do dentista chega para uma consulta e, basta um close abrupto em seu rosto para reconhecermos Marcelo, o recorrente protagonista de Khouri, enfastiado com a modernidade e extasiado em seu próprio hedonismo. O sexo a seguir é menos grotesco e mais irônico: Marcelo mal se mexe e, enquanto a garota de programa faz o trabalho, sua atenção se desvia para a cadeira do amigo.

Momentos depois, Khouri filma um genuíno momento de camaradagem entre os dois amigos: Marcelo se oferece para dividir o pagamento da moça, com uma determinação que revela um homem ciente da própria condição financeira, mas que não considera isso mais do que uma condição. Do seu jeito, Marcelo se preocupa apenas com o prazer momentâneo, apenas com o agora.

Em entrevista ao Vox Populi, Khouri rechaça o título de Bergman brasileiro (injustificado, os dois tem pouco a ver) e se associa à Antonioni, talvez o mais renomado dos modernistas justamente por como este filma o nada. Khouri não é tão paisagista, seus filmes tem movimento e toque constantes, ações e olhares conflitantes e que determinam, palavras do próprio, sua visão como cineasta. Então de onde vem o nada?

Logo após a consulta, Marcelo convida o amigo (que descobrimos ser de infância, em uma rápida conversa que demonstra bem a eficácia e eficiência do roteiro, também assinado por Khouri) para retribuir a gentileza, e o mistério do filme se instala. O que Luciano, um homem de meia idade (e descrito como um "caco" pelo amigo) casado com uma atraente e dedicada mulher mais jovem, encontrará no apartamento de luxo que Marcelo usa como refúgio?

Inicialmente pensaria-se em uma orgia caligulesca, em uma cena como aquela em Amor, Estranho Amor (1982) onde parecemos estar em uma pintura barroca. Ou talvez em uma trama de mistérios que terminaria em morte e algum grande segredo revelado. Mas não, tudo que Luciano encontra é uma outra garota de programa, brasileira mas com descendência europeia a quem Marcelo pede para que não fale em português. O que há de diferente é que a cadeira de dentista é trocada pelo apartamento modernista, espaçoso e aberto, onde a câmera pode passear sem precisar de cortes ou de movimentos complexos para ver o que acontece em cada canto. Até mesmo as camas são expostas, é tudo evidente. Uma experiência de nudez. Não vulnerável, mas despreocupada (ainda mais quando colocada em contraste com a esposa de Luciano fazendo contas em sua casa de classe média, separada por cômodos e regida por costumes).

E a situação se repete, se ao menos um tanto mais obscura da segunda vez, por envolver funcionárias da empresa de Marcelo e uma jovem amiga de sua filha. Mas logo temos outro diálogo que comprova uma certa ambiguidade de Marcelo, ao afirmar para todas as mulheres envolvidas que aquilo não custaria seus trabalhos e nem significaria quaisquer bônus. Seus motivos e objetivos são, assim como seu apartamento, modernos e claros: ele quer passar o tempo com a única coisa que ainda o lembra de estar vivo, o hedonismo.

O que torna a mostrar a burguesia de Khouri, mais uma vez, como algo patético. Marcelo não é vilão. Ele apenas não tem mais o que fazer. E, no fim, o grande drama é que a esposa de Luciano o descobre (e é sintomático que a esposa de Marcelo saiba, e pouco se importe) e, com uma mentira que ele nunca descobre, o faz colocar em conflito a vida da classe média, delegada à cadeiras de dentista, com a burguesia e seu luxo vazio.

O Convite ao Prazer sugeria um filme maior, mas tudo não passa de um caso de traição vazio, sem significado ou propósito. Dois homens, um enfastiado com a vida que vê na empolgação do amigo, talvez, um pouco do que um dia teve?

Mas o mais impressionante é que, entre isso e Amor Estranho Amor, Khouri fez De Olhos Bem Fechados (1999), sem toda a megalomania, o glamour e, claro, a americanização. Contra outra crítica recorrente a seu trabalho, Khouri era brasileiro, e mesmo em seus dramas considerados elitistas, os filmava com as cores do Brasil.

8.1

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