Crítica | Mentes Sombrias
Os jovens estão morrendo.
Dessa vez a culpa não é de um psicopata com uma moto-serra num acampamento. No universo de "Mentes Sombrias" (adaptado de uma saga literária de Alexandra Bracken) é uma epidemia global que aniquilou praticamente todas as crianças e adolescentes do mundo. Os poucos que restaram começam a desenvolver poderes sobrenaturais que podem ser telecinese, eletrocinese, superinteligência ou um poder de convencimento da mente (como ‘A Força’ de Star Wars).
Os sobreviventes superpoderosos são levados para campos de concentração similares àqueles que Trump construiu para imigrantes. Lá eles são primeiramente testados, têm sua periculosidade avaliada e são distribuídos em cinco grupos, representados por cores. Vermelhos e laranjas, os mais perigosos, são executados na hora. O resto dos jovens X-Men são mantidos lá, sob a vigia de seguranças truculentos, para realizar tarefas de submissão como esfregar as botas dos policiais.
Como a maioria destas distopias jovens, essa também vem com uma crítica social de brinde. O aprisionamento traça um paralelo ao medo contemporâneo adulto de jovens mais capazes e mais antenados que hoje conseguem, por exemplo, convencer adultos poderosos só com seu discurso.
Nossa protagonista da vez é Ruby, interpretada pela carismática Amandla Stenberg (Rue, de "Jogos Vorazes"). Ela pertence à categoria laranja (tem ‘A Força’) mas consegue permanecer viva, fingindo ser uma verde durante anos no campo de concentração. Ao ser descoberta, foge com a ajuda de uma adulta revolucionária. Logo a garota descobre que existem grupos de apoio aos jovens, comunidades que dispõem de um lugar seguro - uma referência, talvez até inconsciente, ao ‘Underground Railroad’ (conjunto de rotas clandestinas dos escravos nos Estados Unidos).
A condição de Ruby gera consequências logo no começo e mais para o final do filme, é bem trabalhada e a carga dramática que as consequências de seus poderes trazem é um dos pontos mais altos da trama. A angústia e pesar da garota são sentidos, boa parte em razão da atuação de Amandla, que já está ficando craque em fazer adolescentes chorarem. Apesar disso, os personagens tem pouca presença. A exceção de destaque fica para Chubs, o garoto “verde”, que aproveita bem suas cenas, dando um gostinho mais cativante em suas tiradas cômicas. Até Gwendoline Christie (Brienne, de "Game of Thrones" e Capitã Phasma, de "Star Wars"), está aqui como vilã caricata que brilha pouco. Assim como sua personagem na saga "Star Wars", ela tem pouco tempo de tela e sua ameaça, que de cara parecia perigosa, é tem sua importância diluída com o resto da história.
A adaptação segue à risca a fórmula de filmes baseados em sagas de livros young-adult, todos os ingredientes que já cansamos de ver estão lá: a epidemia, a (pseudo) orfã protagonista, o romance empacado água-com-açúcar, o alívio cômico, os vilões do governo autoritário e até os grupos de resistência com suas controvérsias internas. O resultado é meio cansativo para quem já tinha enjoado do gênero, mas a proposta individual (vista de fora do escopo atual saturado de histórias desse tipo) funciona.
Articularmente, estou meio saturado de distopias infanto-juvenis. Mas isso não significa que não exista um público enorme que vibra por cada protagonista feminina liderando um grupo de adolescentes que decide se rebelar e depor o governo. Não vejo mal algum nisso. Inclusive, acho ótimo.
O maior problema do filme está na sua pretensão de virar saga. Passa muito tempo tentando explicar de forma frouxa o mundo que criou e pouco tempo o desenvolvendo. Funciona como a primeira parte de uma história maior e, devido a sua origem literária, sabemos que isso é o planejado. Mas a história acaba incompleta.
“Mentes Sombrias” é um filme bem mais animado do que o título sugere. Cenas de perseguição e batalhas cheias de efeitos especiais estão entre suas maiores qualidades. A construção de personagens e uma quantidade irritante de product-placement estão entre seus maiores defeitos.