Crítica | The Love Witch
Uma viagem de prazeres nostálgicos, mas uma liberdade atemporal.
É curioso perceber que “The Love Witch” foi lançado no mesmo ano de “La La Land”, mas enquanto este traz o passado de volta a vida, aquele apenas vende uma ideia tão fabricada como o próprio Sonho Americano que retrata. Se o filme de Chazelle tem no antigo uma idealização na qual não acredita de verdade (de retrô tem apenas o fato de que… é um musical), o de Anna Biller se abraça na estilização dos anos 60 não como fetiche para vender, mas como uma paixão sincera e, porque não, como uma maneira de subverter o que um dia foi.
Pois seu filme - sobre uma bruxa que faz com que todos os homens se apaixonem por ela até encontrar o amor verdadeiro - é um dos melhores exemplos recentes da Female Gaze, re-imaginando tempos passados onde se idealizava mulheres loucamente apaixonadas fazendo com que os homens chorem e corram atrás de Elaine. Sua amiga Trish funciona como um perfeito contraponto, um tipo clássico de filmes antigos que se devota ao marido como dona da casa onde vivem e não como mulher, e quando esta percebe como os homens se tornam obcecados pela independência de Elaine, decide tentar tomar sua identidade em uma das cenas cruciais do longa.
De acordo com a própria Biller, seu objetivo era trazer o glamour feminino de volta, e a maneira como ela compõe a mise-en-scène grita uma feminilidade tão evidente que poderia se tornar forçada não fosse a aura auto-consciente do filme. Cada peça de roupa, cenário e objeto remetem à uma casa de boneca, e as luzes indiretas - típicas dos filmes Technicolor aqui homenageados - excluem sombras e profundidade, deixando tudo evidente, tudo na superfície, tudo perfeito. As interpretações rejeitam o realismo que toma conta da Hollywood de hoje, como se os personagens estivessem cientes de que são personagens e de que suas falas são… falas. De certa maneira, é um filme mais fabricado que “La La Land”, mas que faz isso em prol de uma unidade estilística que se embrulha como um presente, pois, acima de tudo, “The Love Witch” é um filme delicioso de se assistir.
Assim como sua identidade visual, o filme jamais tenta sobrepor camadas, equilibrando Suspense, Terror e Romance mas os vestindo de uma roupagem auto-satírica que me fez sorrir durante as duas horas. A trama, na mão de alguém mais interessado em assustar, poderia ser intrigante, mas da forma que é tratada cada acontecimento e revelação surgem mais como um novo e divertido desdobramento do que objetos provocadores de tensão. A primeira cena que evoca Hitchcock, e até um certo princípio de “Garota Exemplar” na composição de Elaine, servem como referência de estilo, mas subversão de convenções e temas: a protagonista não é uma psicopata, mas sim uma mulher em busca do amor, que os homens sejam frágeis e fracos, não é bem culpa dela.
Igualmente fabuloso em sua construção de mundo, Biller não apenas traz a cultura da bruxaria, mas a utiliza como representação da própria mulher na sociedade, inspirando medo em homens inseguros e que as julgam como objetos de prazer - também por isso o bordel é palco da cena mais violenta da projeção. Assim, a caracterização serve um propósito, de reimaginação, de empoderamento, de substância, não apenas de uma balaca conservadora que, ainda por cima, coloca Ryan Gosling como o salvador do Jazz - apesar de que as músicas ouvidas de suas mãos jamais sejam, em suma, Jazz.
E Elaine é a protagonista perfeita para seu filme: uma mulher que idealiza o amor a ponto de sonhar com uma farsa para re-imaginá-la como verdade, mas que mesmo com toda sua pose - que inclui além do jeito de falar, de vestir e maquiar, o jeito de acreditar - não consegue enganar a ciência de que dificilmente encontrará, em seres humanos e preocupados apenas com a superfície, algo que a preencha de verdade.