A lista dos 100 melhores filmes do século 21 da new york times

Onde os fracos não têm vez, Viagem de Chihiro, Brilho Eterno… não há dúvidas que há bons filmes entre os 100 escolhidos, mesmo que a maioria seja tenebrosa e aí me vem a questão que motivou esse texto: existem 100 grandes filmes feitos no Século 21?

Na última semana o New York Times conseguiu algo que não tem sido muito comum: fez as pessoas se importarem com cinema de novo, por um minuto pelo menos. Conseguiu isso do mesmo jeito que outras publicações hegemônicas, como BBC e Rolling Stone, têm feito já há algum tempo: com uma lista. O ranking dos 100 melhores filmes do século 21 escolhidos por atores e diretores de hollywood nascia já com ar de uma desesparada tentativa de chamar atenção de uma indústria moribunda. Ao fazer as pessoas pensarem sobre alguns dos filmes bons que foram feitos nos últimos 25 anos talvez elas sintam vontade de tentar algum lançamento de 2025.

As listas são uma ferramenta importante na crítica de arte, elas nos ajudam a organizar gêneros, obras de artistas, tendências e nos posicionar no debate da arte. O objetivo desse exercício se encontra principalmente no último tópico que mencionei: ao fazer um ranking de um diretor (Clint Eastwood, por exemplo) e escolher Pontes de Madison na frente de Imperdoáveis estou declarando que no meu ponto de vista o melhor da obra de Eastwood tem a ver com suas reflexões sobre arte e os limites de uma pessoa em vida ao invés das consequências da violência na vida de um homem.

Outro fator que falei em que as listas são fundamentais é a organização de gêneros. Comparar filmes feitos no mesmo período, na mesma região, por um grupo específico de pessoas etc. nos possibilita identificar tendências genéricas, técnicas e estilo. Ao fazer aqui para o Outra Hora uma lista sobre filmes de ação me dei conta que existia algo em comum entre produções do Oceano pacífico entre 2000-2010 e delimitando sua presença a esse espaço e esse período brinquei que isso poderia sugerir um novo gênero cinematográfico.

Estou falando de experiências individuais, porém há os casos em que listas manifestam a opinião de um grupo de pessoas. Publicações de arte usam historicamente essa ferramenta como uma espécie de editorial, as famosas listas de fim de ano da Cahiers du Cinema têm a função de mostrar ao mundo o que os redatores da Revista entendem como o melhor que o ano tem para oferecer de cinema e posicionar a publicação em relação à produção contemporânea.

A lista publicada pelo NYTimes seguiu uma estratégia que é utilizada há muitas décadas pela Sight & Sound: elaborar como os trabalhadores do cinema se sentem sobre o que está sendo produzido. Com uma diferença fundamental: S&S na sua lista publicada uma vez por década questiona estudiosos, críticos, curadores e diretores, montando inclusive uma lista apenas dos críticos e estudiosos e outras apenas dos diretores. A partir dela podemos sentir o que cada época valoriza mais na história do cinema, a lista publicada em 2022 demonstra uma maior preocupação com produções menores, realizadas por grupos que historicamente ficaram a margem no cinema.

A pesquisa do NYT, por sua vez, não deu nenhuma atenção para a intelligentsia do cinema e se concentrou em celebridades do audiovisual (diversos nomes da TV também foram consultados). A primeira justificativa para isso é usar a presença midiática dessas pessoas para chamar atenção para o projeto e para os filmes que estão sendo votados. A lista já nasce como uma ótima representação de Hollywood: uma celebração de si mesmo, autoadulação a partir de filmes relevantes dos últimos 25 anos. O resultado é evidentemente óbvio, ao pedir para pessoas que pouco pensam sobre cinema, muito menos veem filmes, quais as melhores produções do Século as respostas são sonoramente consensuais.

Onde os fracos não têm vez, Viagem de Chihiro, Brilho Eterno… não há dúvidas que há bons filmes entre os 100 escolhidos, mesmo que a maioria seja tenebrosa e aí me vem a questão que motivou esse texto: existem 100 grandes filmes feitos no Século 21?

A resposta talvez seja sim, apesar de o coletivo montado pelo Times com nomes como Nicholas Sparks e Elizabeth Banks certamente não ter condições de responder isso. Mas para imaginar como seria possível responder isso pesquisei em algumas listas generalistas: no top 100 da S&S de 2022 há apenas 10 filmes do Século 21, consideravelmente menos que os 70 que estão entre os 250 longa-metragens do Letterboxd (lista que por mecânicas óbvias destaca produções recentes).

Para o Outra Hora já produzimos uma quantidade de listas temáticas sobre o Século 21: melhores filmes de ação, terror, comédia, romance, musicais, animações e nacionais. A partir delas é possível ter um bom panorama desses gêneros e também entender que não há uma quantidade considerável de filmes a ser explorada no universo dos gêneros. Fazer uma lista apenas para assegurar os executivos de Hollywood que eles ainda são relevantes não é a maneira de chegar a uma resposta sobre 100 grandes filmes no Século.

O que a publicação do ranking do NYT e a sua repercussão demonstram é que a experiência de ver filmes no Século 21 é fundamentalmente individual. Não só não vemos filmes em espaços coletivos mais, experimentamos tudo sozinhos: o gostar e o não gostar, o refletir, o escrever. O Times construiu uma página para hospedar a lista que nos permite marcar todos filmes que vimos, os que queremos ver, o nosso próprio ranking e ainda ver cada uma das submissões. Quer dizer, uma experiência fundada na individualização do pensar sobre cinema.

O único raking possível dessa experiência é um que privilegia os mínimos denominadores comuns de pessoas que veem e pensam sozinhas, o que explica a aberração apontada pelo Filipe Furtado de Tarantino e Cuaron representarem juntos 10% do ranking. Assim fica muito mais fácil privilegiar aquilo que é hegemônico, a linguagem dos festivais europeus, o filme semi-indie: produzido de maneira independente por pessoas com os dois pés em Hollywood e distribuídos por selos alternativos dos maiores estúdios. Uma lista de filmes que não é um consenso (consenso precisa ser discutido), mas uma imposição do marketing dos festivais e dos streammings.

Então, Como construir essa lista?

Para responder isso, quero antes responder se acho que existem 100 grandes filmes no Século: Depende. Certamente consigo montar uma lista de 100, e até mais ótimas produções dos últimos 25 anos, eu certamente procuraria em diretores que sequer foram mencionados. O que levari mais um resultado super individualizado, e que ainda que eu fugisse do mainstream e não listasse nenhum Alfonso Cuarón não seria um exercício de imaginação rico, não ajudaria a compreender o cinema do Século 21.

O único caminho para um ranking é o que cada vez menos tem se tomado: debater coletivamente sobre cinema. Debater não é a mesma coisa que submeter listas e contar o número de votos, é efetivamente debater: quais são os temas relevantes do Século 21? quais são os diretores? de que países saíram as melhores produções? onde elas passaram? Quando a gente debate buscamos argumentos inovadores e criativos, procuramos filmes pouco explorados que amamos e defendemos uma ideia de cinema.

Só quando há dissenso que é possível construir consenso. E essa é a única saída para visualizar como o cinema dos últimos 25 anos realmente é, e como ele vai ser pelos próximos 75, não ser pautado por Hollywood, não assistir o que todo mundo está vendo e registrar no Letterboxd antes de passar para o próximo filme mais popular disponível. Procurar o que ninguém está vendo e entender porque isso acontece, criando dissonância com o discurso hegemônico da indústria.

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