TOQUINHO @ ARAÚJO VIANNA - 03/10/2025

foto por @denovoiza


TENHO TEMPO DEMAIS PARA SER FELIZ


A chuva que caiu sobre Porto Alegre na noite de sábado não foi suficiente para afastar os fãs que se reuniram no Auditório Araújo Vianna para prestigiar “Só Tenho Tempo pra Ser Feliz”, turnê comemorativa dos 60 anos de carreira do músico Toquinho.

foto por @denovoiza


Talvez a primeira reação dos jovens nascidos nos anos 2000 ao saber que vão a um show de Toquinho seja: ‘nossa, ele ainda está vivo?’. A verdade é que apesar do nome familiar, a grande maioria desconhece qualquer informação sobre sua carreira, exceto que é compositor da famosa “Aquarela” , que faz parte do cânone das apresentações infantis por escolas no Brasil inteiro. Talvez esses mesmos jovens ficassem deslumbrados ao ver entrar no palco um senhor de 79 anos, esbanjando sorriso no rosto e tocando o que, após uma rápida pesquisa no Google pós-show, descobririam ser “Tarde em Itapoã”.

Pensariam consigo: como eu não conhecia esse artista? O talento nato no violão, o carisma, as composições. Por que em nenhum momento cogitei que aquele nome que eu conhecia há tanto tempo não valeria minha escuta? Aí talvez chegassem à conclusão de que foram pegos novamente em suas próprias presunções etaristas. Na verdade, aquele senhor de idade parecia ter muito mais vida e ânimo cantando as mesmas canções que já canta há quarenta anos do que muitos jovens começando carreira por aí. 

Com certeza ficariam encantados ao ouvir as histórias de sua juventude boêmia, de quando tocava em barzinhos de São Paulo e “dava canja” com Jorge Ben, Maria Bethânia, Milton Nascimento entre tantas outras lendas da música brasileira de quem falava com tanto carinho. Também se emocionariam ao ouvir sobre seu já falecido parceiro de composição Vinicius de Moraes, com quem co-escreveu diversas canções importantíssimas na história da música brasileira, relatando como o poetinha lhe despertou seu lado mais infantil na música.

Foi ele quem me deixou subir, quem me levou ao nível lúdico do infantil. Ele quem me carregava pela mão e me deixou esquecer as escalas, os estudos clássicos de violão, para fazer a coisa simples, a coisa que traça a vida e sem subestimar a criança. A gente tem que manter viva essa criança que existe dentro da gente. Ela nos salva em diversas situações.” (Toquinho durante o show)

foto por @denovoiza

Muitos jovens de hoje em dia  cresceram escutando várias músicas do Toquinho sem nem saber. Ou ainda, seus cantores favoritos escutaram os cantores favoritos deles, que, por sua vez, escutaram Toquinho e outros mestres do samba. Nossos avós ouviram Toquinho no rádio e nas novelas; nossos pais viram suas músicas migrarem para os discos e as fitas; e nós, se tivemos sorte, escutamos suas baladas infantis em CDs e Pendrives. O Toquinho conseguiu ter uma obra que embalou da infância à velhice e que permitiu uma juventude se conectar com uma visão mais madura.

Além de ver uma exímia performance musical de samba e revisitar clássicos que nem sabia que eram de sua autoria, a própria existência feliz e despreocupada do Toquinho talvez fizesse refletir o jovem contemporâneo a se perguntar: será que preciso me levar tão à sério?. Se uma pessoa de 80 anos consegue se divertir cantando canções sobre “pum” e patos, por que não posso eu fazer o mesmo? 

Apesar do tom nostálgico e das várias histórias sobre sua juventude, ele poderia ter virado um velho ranzinza e reclamão, mas sua abordagem foi outra: “Faço 80 anos no ano que vem, então só tenho tempo para ser feliz”.(Toquinho durante o show)

Não sei bem qual é o problema da nossa geração, mas sinto que estamos com cada vez mais dificuldade em aproveitar os momentos com plenitude, dançar livremente, aproveitar um pôr do sol ou consumir alguma poesia que exija mais de 30 segundos de leitura. Talvez seja porque, diferentemente de Toquinho, temos muito tempo a perder. De qualquer forma, a arte de ser feliz despretensiosamente resiste, pelo menos enquanto durarem esses grandes mestres, tão reconhecidos em outros tempos e que agora parecem que são para a sociedade a mesma coisa que uma ida ao museu, ou um programa de fim de semana que definitivamente não faz parte do itinerário da juventude.

A abertura da turnê marcou, de fato, o tempo de Toquinho para ser feliz. Mesmo as melodias conhecidas por seu tom dramático ecoaram pelo auditório em arranjos otimistas, cantadas entre sorrisos por Toquinho e seus admiradores. “Só Tenho Tempo Pra Ser Feliz” chegou ao fim com o mesmo entusiasmo do início, entre aplausos, pedidos de bis e a expectativa pelo próximo encontro.

“O que está escrito em mim

Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer

A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer?

Só peço a você um favor, se puder

Não me esqueça num canto qualquer”

O caderno, Toquinho

Anterior
Anterior

Cícero @ opinião - 04/10/2025

Próximo
Próximo

Crítica | O mensageiro do diabo