Crítica | Speak Now (Taylor's Version) - Taylor Swift
O que é um remake?
Ou melhor, o que deve ser um remake?
Quando falo remake, não me refiro à releituras, versões, reinterpretações, spin-offs, mas sim a busca pela reconstrução de uma obra já existente. Às vezes, se faz isso para reinterpretar uma obra, atingir uma visão que originalmente não foi possível por falta de tecnologia, ou recursos financeiros; no caso de Taylor Swift, uma disputa legal levou a cantora à cruzada de regravar todos os seus discos pré “Lover” (2019).
Assim sendo, a missão aqui parece clara: reconstituir, de maneira mais fiel possível, obras já existentes. A “versão de Taylor” de “Fearless” se saiu bem, trazendo nova vida e até mais potência a algumas faixas; “Red” também fez um bom trabalho de reconstrução, optando, em um ponto ou outro, por mudanças estéticas, mas a entrega de Taylor é perceptível e as faixas “From The Vault” são excelentes. Em um âmbito geral, esses dois primeiros remakes são substituições fiéis e plenamente aproveitáveis de seu matérial-base.
Como alguém que acompanha, e aprecia muito do trabalho de Taylor faz bastante tempo, eu sabia que “Speak Now” seria um desafio.
Primeiramente, pois é o álbum mais coeso (sonoricamente) e aprofundado em um estilo específico, o pop-country-rock, estilo que a cantora não chega perto nessa escala, desde então. O crossover para o pop de Red para frente levou as interpretações vocais e musicais de Taylor para uma região muito, muito diferente de onde ela andava até Speak Now.
E para além disso, há o contexto de carreira no qual ela escreveu. Speak Now foi o primeiro ( e até hoje, único) álbum de estúdio no qual Taylor é compositora, sozinha, de todas as faixas. Após vencer inúmeros prêmios, incluido o Grammy de Álbum do Ano em 2009 com “Fearless”, todo o mundo estava com os ouvidos atentos ao próximo lançamento de Taylor.
E nesse contexto, ela volta para Nashville, toma o projeto em suas próprias mãos, escreve 14 faixas, e produz o álbum que, naquela época, parecia o álbum que ela sempre havia sonhado em fazer.
Ecos de Shania Twain, Sheril Crow, e Faith Hill enfeitam as lustrosas paredes de som de Speak Now, o único álbum de toda discografia de Taylor onde a sonoridade não é nem de cantora-compositora, nem de pop star, mas sim de banda.
Esse é um álbum com som de banda, energia de banda. Tem urgência, tem em cada acorde e mixagem o sangue no olho que Taylor tinha, na época, em se apresentar como compositora de respeito e front-woman de qualquer banda, pronta para encarar qualquer arena.
Infelizmente, conforme eu temia, nada disso se traduziu no Taylor’s Version desse álbum.
A primeira perda notável é a dinâmica. Se o original tinha picos e vales perceptíveis, agudos metálicos e graves orgânicos, a versão nova é muito mais comprimida, alguns agudos desapareceram (cheque a diferença no refrão de “Enchanted” no vídeo acima) e de forma geral, se perdeu a atmosfera de banda que Speak Now tinha. As guitarras foram para os cantos, os backing vocals estão quase escondidos. Em diversos momentos da versão de 2023, parece que Taylor está cantando suas próprias músicas no karaokê.
A impressão que passa é que aconteceu um grupo focal com alguns fãs, onde a produção do remake perguntou a um time de leigos o que mudariam na mixagem, ao que esse time respondeu: hã, eu não sei, talvez aumentar o volume da voz dela? ¯\_(ツ)_/¯
Para além disso, a segunda grande perda está na própria interpretação de Taylor, que não ajuda a evocar a energia desse trabalho em quase nada.
Cantar é interpretar. A diferença primordial entre a performance vocal de Taylor na versão original e na Taylor’s Version de Speak Now não é que sua voz amadureceu, seu timbre mudou, seu sotaque diminuiu - é a interpretação.
Taylor, na nova versão, está mais contida, menos enérgica, menos voraz. Talvez uma mudança interpretativa que já estivesse presente nos outros Taylor’s Version, mas não os machuca como o faz aqui. Speak Now, como já mencionei, é um álbum urgente, e essa urgência não está na voz de Taylor agora, o que fere as músicas. Exemplo dessa falta de energia está até na duração das faixas: uma porção delas está ligeiramente mais lenta, com duração de 01 ou 02 segundos maior.
Pode-se argumentar que ela está cantando tecnicamente melhor: uma voz mais controlada, densa, equilibrada, dicção mais compreensível de todas as palavras. Porém, aí entra o embate da técnica contra a interpretação: até que ponto vale fazer o tecnicamente certo? Vale sacrificar a emoção da entrega emocional?
Para piorar, as faixas “From The Vault” não fazem nada pelo álbum. Com exceção da doce “When Emma Falls in Love” e da produzida-além-da-conta-mas-ainda-boa “Foolish One”, as outras músicas vindas do baú são rapidamente esquecíveis.
Nem Fall Out Boy, nem Hailey Williams eleveram as faixas nas quais participam. Na verdade, a participação dos dois evidencia o problema ao qual me refiro nesse remake. Por que trazer dois artistas protagonistas da cena de pop punk, para participar da reedição de seu álbum de country rock? Apenas mais uma evidência da distância conceitual que Taylor se encontra da verdade artística e estética que o Speak Now carregava.
Se for para resumir o que falta nesse disco, é Nashville. Uma versão de Swift que se esvaneceu entre suas diversas versões ao longo dos anos.
A falta de punch, a falta de country, das inflexões caricatas, a permissão para manter uma frase de caráter duvidoso em uma música que por si só já era de caráter duvidoso (e era boa exatamente assim). Pequenos detalhes que talvez não façam falta na Taylor Swift de hoje, nem na do Taylor’s Version de “1989” e “Reputation”, mas fizeram falta aqui.
Para não dizer que tudo é ruim, alguns cortes, especialmente os mais intimistas, soam um pouco mais claros e organizados nessa versão do que na original, como “Back to December”, “Dear John” e “Never Grow Up”. Mas o conjunto da obra, é uma pena dizer, só me deu vontade de ouvir a “versão roubada”.