Crítica | Eraserhead

CINEMA ESTRANHO

Estreia de David Lynch combina as diferentes estranhezas da sétima arte


É preciso um único plano de Eraserhead para perceber que David Lynch é um grande cinéfilo.

Jack Nance e seu cabelo (em forma de borracha), flutuando pelo espaço com os negativos desbotando quando sobrepõe um planeta cinzento (que me lembrou de Victor Sjojstrom e seu Carruagem Fantasma (1922)), seguidos por uma transformação em fumaça e o estranho efeito que esta provoca quando filmada (que definitivamente lembra George Méliès, 20 anos antes disso). Apenas aquela cena já é mais Cinema do que 95% dos filmes lançados hoje, mas Lynch vai além na exploração durante a curta duração de Eraserhead.

Em sua natureza, é um filme que passeia por teorias. O Horror, como gênero cinematográfico, frequentemente usa de extremos: uma estilização carregada para criar símbolos e associar seus significados, ou uma simulação do real, mostrando o horror como algo que aconteceu/pode acontecer de verdade. Curiosamente, num curto espaço de tempo assisti o filme de Lynch e O Massacre da Terra Elétrica (1974), de Tobe Hopper, e de maneira oposta os filmes fazem as duas coisas. 

Embora estilizado e pensado como uma série de alegorias para os dramas nunca professados de seu protagonista, Eraserhead é um filme relativamente simples, que denuncia sua complicada e barata produção não no que filma, mas em como filma.

Ângulos “caseiros”, movimentos acanhados em cena, interpretações anacrônicas que parecem vindas dos anos 20 e, portanto, oferecem uma estranheza que se confunde quase com amadorismo. Certamente o mais legal é como Lynch quase documenta aquele mundo estranho que criou, trazendo o mistério daquele simbolismo para o estranho mundo real, o qual ele faz questão de mistificar até hoje - ao não revelar, por exemplo, a origem dos efeitos utilizados por trás da criatura.

Esse poder do anacronismo se dá também pelo que diferencia o Horror dos anos 70 do Horror dos anos 20, tanto conceitual como tecnicamente. Se antes era um pós-guerra que se confundia com a loucura coletiva provocada pela industrialização e pela a modernidade (de O Gabinete do Doutor Caligari a Um Cão Andaluz), agora é um pós-guerra do Vietnã que coloca em xeque a identidade americana como um todo, dialogando diretamente com o medo de uma geração mutante por conta dos horrores de um mundo decadente. Em convergência com isso, o filme mantém um apelo visual de Cinema Mudo, enquanto faz do design de som uma característica dominante - o grito da criatura se confundindo com o som das máquinas, os medos da juventude setentista, sincronizados.

O mais curioso é que, apesar de praticamente só enxergar virtudes, assim que a estranheza do filme passa a entrar em lugar comum, a experiência como um todo me soa um pouco… entediante. A agonia jamais se transforma em tensão, o horror gráfico choca e comunica, mas nunca me move. A viagem psicodélica funciona perfeitamente no que contempla a imagem, mas nunca a atravessa.

O que acaba sendo algo que tenho com filmes pré-anos 90 de Lynch, onde parece que está tudo certo de um ponto de vista teórico, mas falta um quê de, não sei, Lynchianismo mais descarado (?) que torne a viagem toda algo mais divertido.

7.7

Curiosidade: The Weeknd se inspirou no Eraserhead pro visual dele em Starboy!

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