Entrevista | Alice Name-Bomtempo

Recentemente, Modo Avião se tornou o filme mais bem-sucedido da história da Netflix dentre todos aqueles que não tem o inglês como idioma principal. 

Almejando um publico adolescente, é mais uma das produções nacionais da Netflix, que vem surgindo como uma das maiores propulsoras de obras brasileiras, enfatizando sua proposta de construir um catalogo próprio que não depende de projetos de outros estúdios. 

Mas Modo Avião representa também uma outra tendência recente do cinema adolescente brasileiro. Ao escalar a influencer Larissa Manoela para o papel principal, o objetivo fora alcançado: chamar o público infanto-juvenil que acompanha a, agora, atriz. E por mais que esta tática seja criticada por muitos, há, ao menos, algo de muito positivo que deve ser dito: as oportunidades para novos cineastas quebrarem as barreiras do primeiro filme. 

Em entrevista por ligação – respeitando o isolamento do Covid-19 – Alice Name-Bomtempo, co-roteirista de Modo Avião, comentou sobre sua experiência, as expectativas da carreira após o imenso sucesso do filme e como percebe este momento do audiovisual no Brasil. 

O começo da conversa foi marcado, claro, pelo impacto que a pandemia tem causado no mundo e, também, na produção de cinema no país. 

“Não tem como prever o impacto que vai ter, as filmagens estão paralisadas, as novelas fora do ar, mas como é algo muito recente, não sei como estão as salas de roteiro. O importante é entender como diminuir esses danos, até que ponto é possível algum aporte do estado, na França isso está acontecendo, não sei o quanto isso vai ser possível no Brasil.” 

Curiosamente, os próprios efeitos do isolamento social podem ser vistos como um exemplo de como a produção de obras para streaming se mostra essencial nos tempos de hoje. Com os cinemas, teatros e palcos fechados, muitas pessoas têm de recorrer ao streaming para se distrair de forma saudável durante a quarentena.

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“Nesse momento de transição para uma coisa nova, para uma nova forma de se relacionar com o audiovisual, por conta do streaming, ou por questões sociais gerais, estamos em um momento de entender o que está acontecendo. Tanto da forma como esses produtos chegam, como de nós nos relacionarmos eles.”

Ainda sobre o impacto positivo dos investimentos de empresas como a Netflix no cinema mundial, Alice comentou sobre sua experiência como mulher em um meio dominado por homens. Em anos passados, mesmo um filme como Modo Avião, que conta a história de uma menina, seria inteiramente produzido por homens. 

“Ainda fazem isso, hoje você tem uma consciência e uma preocupação maior, mas ainda acontece muito. Acho que a Netflix tem uma preocupação com essas questões de representação e representatividade, e tem essa diferença, representação é o que tem na tela, representatividade é quem faz o filme. O ideal é termos equipes diversas e inclusivas, assim uma coisa reflete na outra.”

Ao mencionar o coreano Parasita, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2020, Alice acredita que este movimento vem se fortalecendo recentemente, e é algo que pode ser visto, por exemplo, na inesquecível vitória de “Moonlight” em 2017, fruto da campanha “Oscar So White”, e do próprio “Roma” na categoria de Melhor Diretor, em 2018, filme mexicano lançado diretamente na Netflix. 

Mas, além disso, há evidências de que tanto o cinema comercial como o independente estão se aproximando. 

“Esse ano o filme que ganhou o festival mais nobre relacionado a arte ganhou também o Oscar, que é mais comercial, e acho que essas coisas estão relacionadas com o fato de que talvez o streaming borre um pouco mais essas fronteiras culturais e de língua, pro bem e pro mal.” 

“É muito importante que isso não fique só na mão dos streamings, nesse momento de economiza complicada e de censura de políticas publicas pra cultura, é ótimo que Amazon e Netflix estejam produzindo aqui (no Brasil), mas a gente ainda precisa de incentivo.”

Ao falar sobre a carreira, Alice acredita que o sucesso do longa ainda é muito recente para poder dizer se teve algum impacto nas oportunidades que para ela surgiram, mas a cineasta já trabalha em outros projetos.  

“Esse foi meu primeiro longa que é produzido e lançado, escrevi outro que está em andamento, e tenho outro como diretora que também estou desenvolvendo, um terror que se chama “Tempestade”, que passou por alguns laboratórios, ganhou alguns prêmios, é um projeto pessoal meu.”

Quanto a “Modo Avião” em si, filme pelo qual foi contratada pela Netflix para adaptar o roteiro escrito por Alberto Brenner, Alice demonstra gratidão e orgulho quanto ao projeto final. 

“O roteiro foi muito respeitado na produção. Ainda é muito recente, então no sentido de como afetou minha carreira temos que conversar daqui alguns anos, mas sim, isso abre muitas possibilidades, muitas conversas, está fazendo muita diferença na minha carreira nesse momento.”

Ciente das críticas que vários filmes com temática adolescente recebem, Alice comenta sobre como trabalhar com estes temas sempre foi seu maior interesse, como evidenciado por suas preferencias pessoais. Entre seus cineastas favoritos, ela menciona, estão Richard Linklater e Hayao Miyazaki, dois mestres na temática juvenil que tanto lhe atrai.

“Eu gosto de comedia romântica, de trabalhar com a juventude e não é por ser muito comercial e ter apelo que se torna menor em termos artísticos. Cinema é uma ferramenta de comunicação, então temos que ver como usar isso como forma de diálogo com o nosso publico.”

Ainda jovem, com apenas 25 anos de idade, Alice já tem um enorme sucesso em sua filmografia e experiência em diversas outras obras. Assistente de roteiro de “Magnífica 70”, indicada ao Emmy Internacional, dona de dois curtas intitulados “Todas as Memórias Falam de Mim” e “Na Esquina da Minha Rua Favorita com a Tua”, e roteirista da última temporada da série “Vai que Cola”, sua carreira parece em uma trajetória crescente e constante. 

Ao falar de metas, no entanto, o que surpreende é a simplicidade de alguém que tem amor pelo cinema acima de tudo. 

“Quero muito realizar esse meu longa como diretora, mas também um dos sonhos que tenho é escrever uma serie de animação pro Cartoon Network, é uma coisa que eu gosto muito, mas vamos ver o que acontece.”

Sorridente e otimista, Alice é uma jovem cineasta brasileira tentando suceder em áreas que por vezes não valorizamos. E um exemplo de como temos que dar voz à temas que cada vez mais se solidificam no cenário internacional. 

A juventude é a melhor época da vida de muitos, não tem nada de errado em querer relembra-la. 

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