Crítica | Booksmart
Apesar de não ser meu gênero favorito no Cinema (que é o suspense), o Coming of Age (literalmente: a vinda da idade) é facilmente o que mais mexe comigo. O que é curioso, pois olhando pra trás percebi que não escrevi sobre filmes como “Boyhood”, “As Vantagens de Ser Invisível” ou “No Incrível Agora”, e não sei nem dizer se seria capaz, visto que meus textos de “Springbreakers”, “Califórnia” e principalmente “Selah e os Espadas” já me fizeram revisitar memórias e sentimentos que, apesar de lindos, apenas me doem.
E não que a minha adolescência tenha sido ruim, não foi. Encontrei pessoas que mantenho próximas até hoje, briguei bastante na escola, joguei muito basquete, sofri demais com coisas desnecessárias e me ocupei de menos com coisas que deveria ter me ocupado mais. “A juventude é desperdiçada nos jovens”, disse Bernard Shaw ou Oscar Wilde (não se sabe ao certo), e apesar de concordar com a frase de modo geral, não vejo como a vida poderia ser diferente.
Ao assistir “Fora de Série”, longa de estreia de Olivia Wilde na direção, senti como se, mais uma vez, tivesse olhado para trás de maneira involuntária. Como se revisitasse todos aqueles anos e me perguntasse se fiz o que devia ter feito, se vivi o que devia ter vivido, se não podia ter errado mais, se não podia ter acertado mais. Mas se alguns dos longas acima retratam esse período como o algo melancólico que é, este é como uma montanha russa: Amy e Molly, percebendo que não aproveitaram o ensino médio como deviam, decidem fazer tudo que não fizeram na última noite antes da graduação.
Se a premissa repele você que não é fã do besteirol adolescente (vide “American Pie”), não se preocupe, pois graças às talentosas mãos da diretora o roteiro escrito a oito mãos (sempre um mal sinal, o que torna esta uma raridade ainda maior) dá vida a um filme que, apesar de bobo e quase absurdo na superfície, não deixa de ser profundo e complexo em suas emoções e reflexões. Pense na energia de “Meninas Malvadas” com o apelo emocional de “As Vantagens de Ser Invisível”, tudo feito com uma delicadeza que só seria possível por alguém que ainda se lembra com carinho de sua própria adolescência.
Conduzindo o ritmo frenético sem nunca sacrificar momentos mais introspectivos, Wilde é auxiliada por uma edição dinâmica e envolvente de Brent White e Jamie Gross, pela fotografia hiper-saturada de Jason McCormick que combina com a energia da projeção e, principalmente, por uma trilha sonora que faz uma das coisas mais difíceis possível: encaixar músicas Pop na narrativa sem que estas soem como recursos preguiçosos. Em uma cena magistral, e também crucial para o filme, Amy mergulha em uma piscina no que poderia parecer um clipe musical mas, graças ao trabalho das câmeras em transformar aquela em uma experiencia obviamente desnorteante para a menina, quando vemos aonde esta culmina somos obrigados a sentir o peso de um ato tão simples como um beijo adolescente, levando duas até então inseparáveis amigas a trocarem ofensas que jamais deveriam dizer uma para outra. Ciente de que não importa o que digam, pois só precisamos imaginar para sabermos o que sentem naquele momento, Wilde escolhe por mutar a discussão e deixar apenas a trilha, anunciando as proporções de uma tragédia, tomar conta da tela. E de nós também.
E o quão grande não eram essas brigas no ensino médio? Fossem pelo que fossem, mas cada palavra dita parecia mirar no coração, e a dor provocada era certamente mais importante do que o que quer que fosse que acontecesse no mundo naquele dia. Claro que, por termos experienciado isso, ou por estarmos experienciando, o efeito se torna, também, pessoal, mas naquele momento sentimos igualmente por Amy e Molly, duas meninas esquisitas, propositalmente deslocadas e, assim como todos os adolescentes, confusas e incertas sobre a vida. Justamente por serem assim se tornam protagonistas apaixonantes, e chega a doer saber que, infelizmente, o final do filme representa também nosso último momento com ambas (uma continuação jamais faria jus ao resultado atingido aqui).
Não que seja um filme perfeito, pois assim como a época da vida que retrata, não é. Algumas situações são absurdas demais, algumas resoluções simples e sem consequências demais, alguns elementos e personagens são utilizados apenas como alívio cômico e há pelo menos duas sequências meio “deslocadas” (as duas festas onde ambas se encontram antes de chegar à principal). Mas nada disso empalidece o resultado final.
Pois a maior força de “Booksmart” reside não na qualidade por trás das câmeras, ou nas performances universalmente cativantes do elenco (a dupla principal merecia ter ganho o mundo, principalmente Beanie Feldstein), mas em um sentimento que julgo não ser possível explicar com palavras, mas que acredito ter estado presente nessa produção que, envolvendo atores que devem se consolidar e outros que devem seguir outros caminhos, deve figurar como uma memória inesquecível para todos que fizeram parte. Seja dos adolescentes que puderam deixar gravado o momento mais intenso de suas vidas, ou pela equipe de produção que pôde, ao menos mais uma vez, retornar a este momento. Que sentimento é esse? Acredito que ele é único para cada um de nós, e pode tomar várias formas. Uma festa, uma lágrima, um beijo, um abraço.
Seja qual for, “Booksmart” o resgatou dentro de mim e, por isso, não poderia ser mais grato.
9
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