Crítica | O Demônio das Onze Horas
EM MEIO A QUARENTENA, IMPUS PARA MIM MESMO A META DE ASSISTIR AO MÁXIMO DE FILMES POSSÍVEL, ALGO QUE ESTOU CATALOGANDO PELA PRIMEIRA VEZ.
Mas, confesso, fiquei preguiçoso com a enorme quantidade de canais liberados na TV fechada e me limitei às programações - que oferecem, ao menos, dois bons filmes por dia, é verdade. O problema é que não há qualquer sequência ou lógica em assistir a estas obras, então decidi que o melhor era escolher um diretor e assistir uma sequência de seus filmes. O escolhido da vez: Jean Luc Godard e sua contribuição para a Nouvelle Vague.
*Alguns destes filmes são clássicos e já foram analisados extensivamente, então coloco como objetivo pessoal comentar aspectos que continuem relevantes até hoje, 2020, nestas críticas.
O décimo filme de Godard é considerado, por muitos, um de seus trabalhos essenciais.
Baseado no livro de 1962 de Lionel White, “Obsessão”, o longa traz Jean-Paul Belmondo e a então esposa do diretor, Anna Karina, na pele de dois criminosos que abandonam suas vidas para tentar emular Bonnie & Clyde, algo que Godard já havia parcialmente tentado fazer em “Acossado” e “Banda à Parte”. Porém, melhor.
Dotado da mesma falta de estrutura de vários de seus filmes, “Pierrot le Fou” (seu título original) vai além. Após situar brevemente o descontentamento de Ferdinand com a vida de marido e pai, e os problemas de Marianne com a organização criminosa OAS, os dois simplesmente decidem largar suas vidas para, então, viver. No processo, eles forjam a própria morte com a mesma casualidade que Godard aborda seus roteiros - que jamais se tornam, de fato, roteiros -, os dando a tal liberdade que buscavam.
Coisas que sempre vemos em filmes de Godard estão aqui, é claro: o casal conversando em um carro, o casal conversando em casa, o casal conversando enquanto um deles se olha no espelho, sempre se perguntando se é aquilo que idealizam. Em vários de seus primeiros filmes o efeito deste cotidiano invadido é fascinante, mas aqui se torna arrastado e apenas anda, sem jamais chegar a lugar algum. Na verdade, o que Godard tem de apuro técnico, (neste filme) lhe falta em habilidade para comandar a narrativa, algo que se transporta para as interpretações da dupla de estrelas.
Karina é sempre - repito, SEMPRE - hipnótica com sua beleza e pela forma como consegue mudar drasticamente de um filme para o outro. Ela teve a sorte - ou o azar - de conviver diretamente com a mente do cineasta e, talvez por isso, consiga trazer com maior veracidade o que ele procura em suas musas. Já Belmondo, completamente inexpressivo, é o típico herói do diretor, porém é simplesmente impossível ter qualquer simpatia por alguém que soa tão carinhoso com uma linda Arara Azul, mas larga a filha e jamais se pega sequer pensando nela. Ferdinand, ou Pierrot (apelido que significa “palhaço triste”, pelo qual Marianne o chama), é uma parede sem qualquer complexidade emocional, pois por mais que diga preferir ideias a sentimentos, não é como se o mesmo fosse brilhante nestas.
Sempre belo visualmente, mas sem a necessidade de quase duas horas de projeção, “Pierrot le Fou” soa, para mim, como um trabalho presunçoso de um diretor convencido de que seu estilo era infalível. Bem, talvez realmente seja, pois em vários momentos me peguei admirando as imagens ao passo que apreciava as discussões triviais que regiam seus personagens, mas, ao final, é como se tivesse apenas visto mais do mesmo.