Crítica | Meu Nome é Dolemite

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Entre comédia, música e cinema, altos e baixos, “Dreamgirls”, “Shreks” e “Norbits”, Eddie Murphy se tornou um ícone da cultura norte-americana.

Ainda assim, nestes últimos anos, ou melhor, desde a década de 90, seu sucesso caiu vertiginosamente atingindo pontos tão baixos que muitos preferiram acreditar que ele estava aposentado. Por isso este filme, dirigido por Craig Brewer e escrito pela dupla Scott Alexander e Larry Karaszewski, que conta a história do comediante/cantor/ator Rudy Ray Moore, conhecido como “padrinho do Rap” e que popularizou a imagem estereotipada do cafetão mundo afora, soa não apenas como um retorno a forma, mas como algo que nem em seus melhores dias Murphy poderia sonhar em alcançar.

Horas, Eddie Murphy concorrendo ao Oscar novamente?

Basta uma rápida pesquisa e você perceberá que sua indicação, mesmo em um ano com diversos nomes amados pela Academia, é possível e, não apenas isso, merecida, pois além de estar hilário como o personagem título, Murphy consegue algo que raramente conseguiu em sua carreira, passar emoções complexas por trás da personalidade brincalhona de seu personagem. Pois apesar de Dolemite, como personagem, estar em praticamente todas as suas cenas a caráter e com um otimismo que podemos apenas acreditar que é real para alguém que conquistou o que ele conquistou, da forma que conquistou, é possível ver seu olhar de preocupação e até mesmo desespero em momentos onde sua voz berrada e maneirismos grotescos tentam impedir que seus companheiros visitem estes lugares sombrios junto com ele. É tocante também a forma como ele olha para seus fãs, como reconforta uma mulher triste em um bar, como toma, de seu próprio jeito, ações que buscam apenas o bem daqueles a sua volta, mesmo sem nunca deixar o personagem que concebeu de lado.

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Bem escrito e acompanhado por uma eletrizante e evocativa trilha sonora, à base da música negra dos anos 70, “Meu Nome é Dolemite” é beneficiado pela direção de Craig Brewer que parece, finalmente, encontrar um filme que lhe deu liberdade criativa. Ele equilibra ritmo, humor e narrativa melhor que a maioria das outras biografias lançadas nesta época do ano que visam, apenas, indicações à premiações e, apesar de não ser brilhante em momento algum ou criar movimentos e planos marcantes ou inovadores, ele aproveita bem a reconstrução de época - que vai desde os cenários aos extravagantes figurinos - e a fotografia achocolatada que, mesmo apostando em um visual quase hiper estilizado, têm como objetivo enfatizar as raízes e a cultura negra presentes, e necessárias, nesta história.

Considero estranho que os nomes por trás do filme sejam, em sua maioria, brancos, e não posso deixar de me perguntar o que alguém como Ryan Coogler conseguiria fazer, mas fica claro também que Murphy teve participação ativa em toda a concepção do longa que, em momento algum, emprega a tão utilizada, e desprezível, narrativa do salvador branco sendo que sempre que estes aparecem seus únicos compromissos são com o dinheiro. É visível esta preocupação em nunca se distanciar de suas raízes, desde a hilária cena inicial com Snoop Dogg (que rimou sobre Dolemite em um de seus maiores hits), e participações pontuais e bem esquematizadas de T.I. e Chris Rock, além, é claro, da performance extravagante de Wesley Snipes.

E apesar de não chegar perto da profundidade, ou relevância, de obras recentes com temáticas afro-americanas como “Moonlight”, “Selma” ou, até mesmo, “Pantera Negra, fica claro que “Meu Nome é Dolemite” tem uma missão ainda mais complexa: quase como uma piada dentro de outra, o filme faz graça com a ideia de vender algo idiota que os brancos não entendem, mas os negros amam. O que não faz dos negros idiotas pois, apesar de terem menos estudos graças à segregação e ao preconceito institucionais, eles vivem uma vida muito mais real e perigosa, e comédias água com açúcar que retratam um cotidiano frívolo e despreocupado (assista ao vídeo “Moonlight”, de Jay-Z, para um entendimento melhor desta teoria) não são o suficiente para fazê-los rir e, na maioria das vezes, fugir de suas realidades é a melhor forma de aproveitar a vida.

Entendendo isso e abraçando a profanidade e absurdismo de Dolemite, o filme se prova hilário em diversos momentos, desde suas icônicas rimas que, como dito, foram essenciais para o Hip-Hop, à um timing cômico invejável tanto do diretor como dos próprios atores que, de certa forma, encontraram o equilíbrio perfeito entre o filme “sério” que estavam fazendo e a falta de profissionalismo presente no filme que seus personagens estavam fazendo. Por isso, assistir à este longa dublado é um crime, não o performe em você mesmo.

“Meu Nome é Dolemite” é uma rara comédia que funciona mesmo quando não está fazendo rir e, sem a intenção de dramatizar a si mesmo, ainda consegue representar uma boa parte da população norte-americana que não está acostumada a se ver brilhando nos cinemas. Quando a empática - e linda - personagem de Da'Vine Joy Randolph fala que mulheres como ela raramente tem espaço para suceder na vida, vemos não apenas a dureza da sociedade, mas o bom coração de alguém que ganhou a vida falando coisas que as audiências brancas jamais julgariam adequadas. Fossem alguns minutos a menos e um pouco mais de originalidade por trás das câmeras, este poderia ser um dos melhores filmes do ano.

Do jeito que é, são duas horas valorosas tanto para uma estrela que reencontrou seu brilho - e outras que descobriram o próprio -, quanto para nós, que podemos voltar a apreciá-la.

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