Crítica | Antes da Meia-Noite

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Nove anos após “Antes do Pôr do Sol” (que já havia sido lançado nove anos após “Antes do Amanhecer”), Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy decidiram retornar à trilogia que já eternizaram nas mentes e nos corações de milhares de cinéfilos ao redor do mundo que, ainda apaixonados pela simplicidade, fazem parte de um grupo tão seleto que impossibilita que mais obras como essa surjam com frequência.

O que é bom, pois replicar a magia desta trilogia é uma tarefa inglória, se não impossível.

Se no primeiro vimos dois jovens movidos pelo impulso e capazes de acreditar em promessas feitas no calor do momento e no segundo vimos como, muitas vezes, acabamos seguindo caminhos mais seguros apenas por julgarmos que aquela mesma impulsividade não poderia levar à destinos concretos, neste terceiro e, possivelmente, último capítulo, Jesse e Céline decidiram consertar as decisões seguras que tiveram no passado ao se entregarem à única que poderia levá-los a uma vida sem arrependimentos. Casados há certo tempo, com duas filhas, mas por mais que o amor ainda seja algo latente entre ambos, é possível notar como a vida já começou a sobrecarregar aqueles dois jovens, um dia tão cheios de sonhos.

Ele, agora um autor de sucesso, mas também um pai em dívida com o filho - do outro casamento - que mora do outro lado do oceano. Ela, em paz com a vida em sua cidade natal junto à família que construíra, mas também em uma encruzilhada na carreira. Ele, já perdeu o ruivo da barba. Ela, já perdeu a silhueta. Ele, claramente mais sábio, embora não mais maduro. Ela, ainda mais linda com a idade embora um tanto explosiva pelo stress da maternidade. Jesse e Céline. Céline e Jesse. Donos de uma química de invejar qualquer casal de atores que não compartilhem a experiência que é fazer estes filmes (e, por isso, não os incluímos no nosso top de romances da década), Hawke e Delpy dão vida a estes dois de forma ainda mais convincente que em seus capítulos anteriores, pois eles jamais deixaram de ser o que eram, mas se tornaram mais ainda em si mesmos.

E é por isso que Linklater, um dos cineastas mais sensíveis e lenientes com o que a vida deveria soar no cinema, parece ser o único capaz de realizar esta trilogia. Mais uma vez trabalhando em conjunto com a dupla para desenvolver os diálogos e acontecimentos da curta uma hora e quarenta de projeção, o diretor é hábil em manusear com paciência a câmera que sempre acompanha o casal pelas ruas de uma pequena cidade na Península Peloponeso, na Grécia. Horas utilizando de cortes suaves (trabalho de edição mais uma vez impecável de Sandra Adair, parceira habitual do diretor) e raccords tão sensíveis, bem ensaiados e cronometrados com os diálogos que se poderia mentir para um espectador mais desatento que o longa fora gravado em plano sequência. Criando belas composições visuais, desde a quase mítica presença do oceano visto aqui e ali em meio à arquitetura singular do local, à momentos triviais, como em um jantar entre amigos onde Linklater desliza a câmera entre os muitos rostos presentes como se fossemos nós os responsáveis por passar o sal para um e a salada para outro.

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Porém, assim como nos dois filmes anteriores, o que mais encanta em “Antes da Meia Noite” são as interações entre Jesse e Céline, agora relacionáveis para todo e qualquer casal que, após anos no piloto automático, esquece que ainda deveria estar experienciando sua vida e não apenas passando por ela. Considero genial que, além disso, o roteiro seja capaz de traçar pequenas pistas temáticas sobre a posição do homem da mulher na sociedade: pois além de Céline ter de cuidar das meninas quando o marido está inspirado para escrever, é ela quem sofre as maiores consequências da maternidade. Já quando a mesma questiona o modo de Jesse olhar com tesão para praticamente toda bela mulher que cruza seu caminho, este responde que não apenas as olha, mas “faz amor com elas”, como a grande maioria dos homens. Pelo menos ele é homem o suficiente para admitir.

Não é, no entanto, sincero o bastante para responder uma pergunta que todo casal pensa, mas raramente concretiza: agora que você descobriu como eu sou de verdade, e com a aparência que tenho hoje e não quando nos conhecemos, você ainda se atrairia por mim? E a hesitação dele não quer dizer um concreto não, mas sim um não sei muito mais apropriado do que um sim. Pois Jesse, um artista apaixonado, claramente ama sua mulher ainda mais do que quando primeiro julgou amá-la, lá no primeiro filme, mas ele ilustra perfeitamente como, com o casamento e a união, vêm também os problemas, algo que Céline também faz momentos depois, quando ambos discutem sobre se deveriam se mudar para os Estados Unidos ou não.

E se é praticamente impossível crer que esperamos 18 anos por uma conclusão apenas para que ambos se separem, Hawke e Delpy fazem de tudo para nos sugerir que sim, isso é possível, pois a vida, afinal de contas, é assim. Logo, quando ambos confessam não apenas episódios de infidelidade carnal, é interessante como o longa pinta também um questionamento filosófico sobre o amor, e sobre a própria fidelidade, que a sociedade do século 21 imprime como a correta. Pois se o jovem clássico “Encontros e Desencontros” ilustra o que acontece nestes episódios, aqui é como se eles discutissem o impacto que tais momentos tiveram em sua relação apenas para descobrir que ele fora, muito provavelmente, próximo do zero.

Mas Jesse e Céline brigam, discutem, ela aplica o clássico frase de efeito + saída inconsequente apenas para, momentos depois, vê-lo se aproximar com a mesma conversa sobre viajem no tempo que tiveram em sua primeira noite juntos, com toda a eloquência de um homem adulto que acredita que, ao fazer a parceira rir, será capaz de amenizar o estrago. Mas Céline não dá o braço a torcer até que Jesse desista e, mais uma vez, declare seu amor incondicional por ela enquanto pergunta: O que mais você poderia querer? E então, numa sacada fenomenal do roteiro, ela percebe mais uma vez algo que ele já parece ter aceito: para o amor funcionar é preciso sacrifícios, é preciso rir da piada idiota de seu marido, ou elogiar a comida mal feita de sua esposa, é preciso aceitar os dias ruins da mesma maneira que se aprecia os dias bons, é preciso deixar o eu de lado em prol do nós. Ela fazer isso com a mesma voz que, antes, havia utilizado para provocá-lo quanto à necessidade dos homens de ter mulheres frágeis e impressionadas a seu lado (algo que Céline não é, e Jesse sabe disso), prova que ambos sabem que, o caminho para recomeçar, é justamente retornar ao começo.

Quando ela era uma menina de sorriso fácil e olhar encantado para a vida. Quando ele era um jovem apaixonado, romântico, e disposto à maluquices para conquistá-la.

Talvez a mais bela lição que esta bela conclusão para uma bela trilogia possa dar é que a vida, por mais bela que seja, não é perfeita. Apreciar tanto seus momentos de felicidade, como aqueles onde tudo parece perdido, é justamente o que falta para que possamos aproveitar cada momento sem nos preocupar com o amanhecer, o entardecer, ou a meia-noite, pois se estes representam o fim de algo em nossas vidas, ou de nossas vidas em si, saberemos que vivemos tudo que tínhamos para viver.

Jesse e Céline, ao longo destes 18 anos, parecem ter aprendido isso. Ou, pelo menos, estão no caminho certo.

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