Crítica | Taipei Story

cinema do tempo e espaço

Em obra prima, Yang atinge seu estado mais transcendental


O quanto é muito pouco no Cinema?

Edward Yang, diretor de apenas nove filmes, definitivamente teve uma carreira curta, encerrada precocemente com sua morte, de câncer, aos 56 anos. Mas seus filmes, lentas meditações sobre a vida e a Taiwan de onde veio, definitivamente refutam a ideia de que filmou pouco.

Assistir à História de Taipei, ou qualquer outro de seus filmes, é uma tarefa que requer esforço. Diferentemente até mesmo do próprio Abbas Kiarostami, contemporâneo com quem divide algumas tendências, Yang não recorre à artimanhas que ao menos tornariam seus filmes “interessantes” para o espectador ocidental causal, ele apenas filma o que quer. Ou melhor, o que consegue.

Construindo uma ponte, mas ao mesmo tempo uma vertente separada, da longa linha que une, entre outros, Yasujiro Ozu, Michelangelo Antonioni e Hong Sang-Soo, Yang faz os únicos filmes que poderia fazer, de uma mente brilhante surgindo em um momento cultural florescente em uma Taiwan em constante mudança. O amor de duas pessoas, corrompido por seu relacionamento, testado pelo tempo arrastado do dia a dia, e pelas relações externas que tornam tudo ainda mais complicado.

Um jogo de dardos, óculos escuros e uma música de Michael Jackson (o fato de esta música ser Baby Be Mine, nunca lançada como single, e ser instantaneamente reconhecível, mostra o tamanho do homem em 1985), uma noite com os amigos que flerta tanto com a aceitação dessas mudanças que para ela são bem-vindas, mas para ele representam o fim do que até então era. Muitos apontam como Tsai Chin quer aceitar a mudança porque, como mulher, lhe permite mais, enquanto Hou Hsiao-hsien (que também fez seu nome como diretor), vive do passado como jogador de baseball, que embora distante, ainda lhe oferece qualquer tipo de glória.

Essencialmente verde (ou azulado), mas cada vez mais oprimindo a beleza natural com a urbanização que reprime individualidades, e isola coletividades a ponto que se tornem um estorvo, é um filme sobre o rumar para frente da sociedade enquanto cada um de nós ruma para a auto-destruição, uma representação em escalas distintas do relacionamento daquelas duas pessoas - uma quer esquecer, e por isso sofre, outra insiste em continuar sofrendo, e por isso não consegue esquecer. Apenas engrenagens em uma máquina feita para nos tornar parte do todo, a fuga acaba sendo nem mesmo o momento de leveza, mas os mais intensos de dor e tristeza.

E o curioso é que, assim como os outros diretores citado acima, Yang não é de criar imagens necessariamente icônicas, ou particularmente memoráveis. O poder de seus filmes está justamente no tempo, tanto que passa de cena em cena, como que passa em cada uma delas. Quando finalmente ele explode, chega até a ser cômico, porque é a quebra de uma rotina de niilismo tão intensa que se torna um evento quase a parte - assim como o affair em YiYi, por exemplo.

Um filme poético em seu realismo dramático exagerado, mas com uma encenação reprimida à quase imobilidade. Tocante na maneira inabalável, resistente, de sua câmera de testemunhar (um traço Mizoguchiano que poucos conseguem evocar) a decomposição tanto do casamento como da humanidade daquele local. Um filme para ser sentido tanto ou mais do que assistido, para ficar marcado menos como uma memória vívida, e mais como um sentimento que ali permanece.

Afinal, não seria isso a verdadeira essência do Cinema?

10

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