Crítica | Vince Staples - Big Fish Theory

Existem diversos princípios e ideologias na vida. Um deles é que os seres sempre vão se colocar em primeiro lugar, não importando se tem de passar por cima de seus iguais para chegar lá, mesmo que essa prática muitas vezes não leve ao sucesso. 

Existe um princípio na vida de Vince Staples. 

Negro, americano, de família simples, nascido em Long Beach, na Califórnia. De acordo com ele próprio, não usa drogas, nem ao menos bebe. Suas músicas não fazem apologia ao sexo ou ao dinheiro, mesmo que o sucesso e a fama sejam temas crescentes para ele (e qualquer artista) conforme os mesmos se tornam mais corriqueiros em sua jornada, ainda curta, como rapper.

Seu princípio é o mesmo que moveu rappers como Kanye West, discutir a nossa sociedade sem necessariamente apontar um dedo em uma única direção. É o mesmo que move Kendrick Lamar, ser socialmente impactante, e pensar coletivamente em um mundo que praticamente repudia isso. Suas habilidades talvez lembrem ainda mais Jay-Z, um flow natural, e com pequenos conceitos escondidos em cada frase. Ainda assim, seu princípio parece único, quase que inteiramente original. Em "Big Fish Theory", Vince Staples é um artista estabelecido, mas que continua a se descobrir e desenvolver em frente aos nossos olhos. 

A produção, inteiramente comandada por nomes novos, com a exceção de Justin Vernon, tem papel essencial na construção de conceito que ele busca aqui. Em 12 músicas e apenas 36 minutos, é estabelecida uma identidade sonora futurista, mas que faz questão de trazer a opulência de problemas e injustiças da nossa era em forma de sons. Há um toque industrial e urbano, que se mistura muito bem com a música eletrônica, tornando o álbum extremamente climático, mas sem se apoiar em drops para validar seus refrões e pontes. A presença de Kilo Kish, uma jovem cantora que não é mais famosa do que seus trabalhos com Vince, é excepcional para a construção geral, e me deixa duvidoso se aquela é sua voz verdadeira ou se está alterada. Esteticamente pode se dizer que é um álbum pronto para as festas, mas que não se vende facilmente a essa ideia. 

Suas performances, dotadas de um descaso contínuo, são um exemplo disso, onde ele raramente se emociona ou se excita mais do que o mínimo necessário. De todas as histórias que ele conta, algumas pessoais, outras nem tanto, ele não se orgulha de nenhuma. Nenhuma faixa é inteiramente dedicada a uma ideia, mas sim a várias dentro do mesmo conceito que ele criou para o álbum, e ao fazer de cada frase uma nova visão dentro desse conceito, ele consegue ser econômico e eficiente, mas ao mesmo tempo expandir tudo para níveis inimagináveis. Ainda falta a ele conseguir equilibrar tudo isso com um estilo que seja de fácil acesso a todos, sua música ainda necessita de uma atenção redobrada para ser apreciada por completo. 

Na entrada, "Crabs In a Bucket", ele traz a ideologia dos caranguejos no balde, e sua tendência de se escalarem para tentar fugir, relacionando tudo isso à sua ascensão a fama. São pequenas pistas que constroem a narrativa da canção, aonde não apenas os policiais, mas as próprias pessoas que cresceram com ele não torcem por seu sucesso. Ele pode ser o "Big Fish" de seu cardume, mas sempre vai existir um tubarão que possa acabar com tudo em um instante. 

Talvez seja sua aversão à imagem associada aos rappers seu maior gatilho aqui. Na techno e imponente "Party People" (sua semelhança com o trabalho de Lorde, especialmente "Perfect Places" assusta) as pessoas que ele gosta de ver dançar em festas são tão superficiais como se espera que sejam. "Move your body if you came here to party / If not then pardon me / How I'm supposed to have a good time / When death and destruction's all I see?" ele pergunta á todos que acreditam que as festas são o lugar perfeito para se esquecer dos problemas. Ele reforça esse sentimento na contagiante "Homage", onde ele presta homenagem a "thug life" de forma irônica "Go stupid / Don't think too much, you gon' lose it / Just lose yourself in the music", e é impressionante como ele consegue associar tudo isso à sua crescente fama e como ele lida com ela. 

The next Bill Gates can be on Section 8 up in the projects
So 'til they love my dark skin
Bitch I'm goin' all in

Ainda não há aquela música aqui, que sirva como sua assinatura para o futuro. O primeiro single, "BagBak", apesar de ter rimas impossíveis para outros rappers de hoje, é econômico demais para isso, e o mesmo ocorre com "Big Fish". Ele chega mais próximo em "Yeah Right", quando Kendrick aparece com um de seus melhores versos do ano, metafórico e direto na dosagem certa, onde os dois se combinam para destruir o esterótipo não apenas do rapper, mas da vida acerca dele. Vince exemplifica todo seu estilo nos dois primeiros versos, e faz perguntas proeminentes, quase que diretamente direcionadas aos artistas que ocupam mais de 80% do top 50 do Spotify nos Estados Unidos, mas que raramente representam o rap como deveriam. "Sua casa é grande? Seu carro é grande? Sua garota é boa? Você é bem pago? Como vai a a vida de "bandido"? Como vai a vida de amor?" Ele não faz questão de se colocar como o herdeiro de Kendrick, essa colocação cabe a nós. Embora a briga com Chance The Rapper seja acirrada. 

No final, na pensativa, "Rain Come Down" ele chega a diversas conclusões enquanto nos dá uma sempre impactante visão de sua vida no gueto. No último verso, ele não consegue mais se lembrar de primavera ou outono, os shows e sua vida atual finalmente começaram a alcançar sua mente, a qual ele pagou uma moeda para entendê-la, e quando pensa em sonhar sobre se apaixonar, decide se afogar no som. Vince Staples tem um princípio, e esse princípio não é lutar pela sociedade mais do que sobreviver nela. Ele ainda carrega os medos que sentia e os alia a novos, e enquanto sua música não é exatamente dotada de esperança, ainda parece que ele vai conseguir se virar. Até agora, ele tem conseguido. 

8.6

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