Crítica | Creed II

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Quantas vezes já vimos essa história?

Em 1976, Sylvester Stallone salvava sua carreira - e vida - ao conseguir fazer o impossível: escrever um roteiro em três dias e convencer a todos que ele, um “ator” de filmes minúsculos, deveria estrelá-lo. “Rocky” ganharia o Oscar de Melhor Filme além de ser o mais lucrativo de seu ano, mas, mais do que isso, se tornaria um marco na cultura popular por - até agora - quatro décadas após seu lançamento.

Se você é um ser humano com o mínimo de cultura, você sabe quem é Rocky. Talvez não tenha visto nenhum filme, mas conhece todos os esterótipos tirados dele. “Eye Of The Tiger”, “Gonna Fly Now”, as sequências de treinamento, Mr. T, Rocky gritando DRAGOOOO em cima de uma montanha, pessoas do mundo todo indo para a Filadélfia só para subir as escadarias do Museu de Artes - que agora são conhecidas como “Os Passos de Rocky” - que se tornaram tão famosas, referências de diversos outros filmes, séries e até mesmo atletas - assista a um jogo do 76ers, da NBA, e veja com que música eles entram em quadra - que se inspiraram na lenda que o personagem se tornou. Não é pra menos, Rocky é, talvez, o maior underdog, ou azarão, da história do cinema.

Seguindo o excepcional primeiro filme, de 2015, “Creed II” continua a contar a história de Adonis, filho de Apolo Creed e como ele deve enfrentar Viktor Drago, filho do homem que matou seu pai no ringue (“Rocky IV”), Ivan Drago.

A primeira coisa que deve ser comentada é a falta de Ryan Coogler na direção. O diretor que viria a conquistar o mundo de vez com “Pantera Negra” em 2018 havia feito um trabalho fenomenal em “Creed”, honrando os filmes antigos e trazendo uma injeção de ânimo e seriedade a história. A luta em plano sequência é até hoje reverenciada, facilmente um dos momentos mais marcantes do cinema nos últimos anos. A falta dele em uma sequência é questionável, mas Steven Caple Jr foi escolhido praticamente a dedo por Stallone, pois, de acordo com ele, “acredito que é importante que o diretor seja parte dessa geração, como eu fui da minha, pra fazer a história o mais relacionável possível”. E Caple faz um excelente trabalho quando se leva em conta que seu único “grande filme” anteriormente havia sido “The Land” de 2016, que nem chegou a correr o mundo. Não, ele não inova visualmente como Coogler, mas tem um excelente controle de câmeras e ângulos e consegue tornar as lutas, especialmente contra Viktor Drago, algo tão impactante que você sente o peso dos socos.

A cinematografia segue os elementos do primeiro filme e consegue captar perfeitamente o que o roteiro quer passar. A frieza da Ucrânia, a grandiosidade das lutas, uma bem encaixada cena de amor entre Adonis e Bianca. O mais interessante é como todo o aspecto visual da história se relaciona com a trilha sonora, comandada pelo talentosíssimo Ludwig Goransson, mas repleta de faixas feitas exclusivamente para o filme. As orquestras e reedições dos temas clássicos são revigorantes, enquanto as faixas (em sua esmagadora maioria feitas por artistas negros) dão combustível para os acontecimentos da história. Uma delas em especial, “Check”, capta toda a essência da franquia sonoramente e, entre diversas frases que se relacionam com a história, tem uma que parece funcionar juntamente a cinematografia: “Dark-skinned ni**a, but the brightest in the spot”. Pelo menos até agora, nos novos filmes, a questão racial não fora profundamente abordada, mas há pequenos indícios que possa ser combustível para futuras sequências e seria algo muito interessante e inteligente de se ver.

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Stallone, a princípio, dirigiria o filme, mas ficou apenas com o roteiro e fez um ótimo trabalho. Nunca na franquia “Rocky” os personagens foram tão bem desenvolvidos. Você entende seus medos, anseios, vontades e motivações, além de que o fato de Creed estar lutando contra o filho do homem que matou seu pai, por si só, já dê um peso a luta que nenhuma outra da série teve anteriormente. É claro, já vimos essa história milhões de vezes e a estrutura não vai e não deve mudar, você sabe exatamente o que vai acontecer, sabe que no final haverá uma sequência de treinamento - essa é ainda mais emocionante que a do primeiro filme - um discurso motivador e que, provavelmente, o personagem principal vá ganhar a luta.

Se você assistiu a todos os filmes anteriores e não gosta dessa fórmula, bem, não vá assistir a “Creed II”. Agora, se você acha que precisa de uma nova injeção de inspiração e energia, este é definitivamente o filme pra você.

Pode ser algo arriscado de se dizer, mas Michael B. Jordan é, possivelmente, o melhor e maior ator de sua geração. Ele ainda não foi atrás de prêmios e trabalhos conceituais, mas seu impacto devido à “Creed” e “Pantera Negra” é gigantesco. Seu físico parece tanto com o de um boxeador que já existem milhares de vídeos tentando explicar seu treinamento e milhares de fãs pedindo até mesmo que ele se arrisque em lutas profissionais, mas isso nem é o mais impressionante. Adonis é muito diferente do ator que o interpreta, suas inseguranças afloram sempre que ele é pressionado e a habilidade que o ator tem de demonstrar emoção, associada à seu carisma, fazem dele o suficiente para que você compre qualquer ingresso. A iconografia em volta dele é viva, as entradas triunfais, a primeira luta com o calção de seu pai e a segunda com uma versão escurecida dele, é algo que adiciona muito à história. E ele tem mais química com a maravilhosa Tessa Thompson, que interpreta Bianca com todo o afeto e entendimento que a personagem precisa ter, do que Rocky tinha com Adrian. Ambos parecem se gostar de verdade e você vê que ela não é um peso, mas algo que ele precisa para seguir em frente.

Mas a chave para o funcionamento do longa está em outra relação dele. O afeto e sinergia entre Adonis e Rocky é fora desse mundo. Os trejeitos, a forma de andar e falar, os olhares, Stallone conhece esse personagem há 40 anos e é como se ele realmente visse no personagem de Jordan o amigo que, ficcionalmente, perdera anos atrás. É cliché, é verdade, mas o elo aluno-mestre dos dois é sincero.

E, é claro, sua rivalidade natural com Viktor Drago - assombrosamente interpretado pelo lutador na vida real Florian Munteanu. Fisicamente, o filho de Drago é o vilão mais imponente da franquia e Caple se utiliza muito bem disso nas lutas, mesmo que ele também evidencia alguns dos problemas do roteiro. Dolph Lundgreen está muito bem como um Ivan Drago extremamente amargurado - sendo que sua atuação da última vez se resumia a treinar e lutar - mas fica claro que ele e seu filho são um personagem dividido em dois, um sendo os músculos e outro as motivações. A relação de ambos com a mãe de Viktor é estranha e mal resolvida, mesmo que ações inesperadas de ambos na luta final sejam um abraço de gratificação para os fãs quanto a índole de ambos.

“Creed II” é tudo que um fã de Rocky poderia pedir. Não é tão inovador ou consistente como o primeiro, mas adiciona ainda mais substância a personagens que já aprendemos a amar. Mais importante, é um filme inspirador que tanto precisamos de tempos em tempos, para nos ajudar a enfrentar nossas próprias batalhas.

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