Crítica | Ariana Grande - Sweetener

O gosto agridoce de um lançamento pop de algum artista aclamado, a grande incógnita que define a trilha sonora inevitável de todas as suas viagens de Uber por pelo menos um mês.

Nós, caros mortais, não temos nada a ver com isso, e só podemos torcer para boas ideias iluminarem a cabeça de tais artistas que simplesmente comandam as rádios das três da tarde até as dez da noite, ou apenas fazer o nosso melhor para evitarmos as faixas que deixam o gosto amargo e fazem toda a questão do mundo de nos seguir por qualquer estabelecimento que entramos.

Ariana Grande-Butera quando surgiu com "Yours Truly", em meados de 2013, parecia fazer um certo esforço pra fugir do comum no pop, fugindo do estereótipo cantor/atriz com uma voz desenhada cuidadosamente pra passar nas audições as cegas do programa The Voice. Um álbum low-key influenciado pelo R&B e produção de Babyface. Uma Ariana, na época com 20 anos apenas, mostrava com sua estreia que não caiu de paraquedas na ponta da língua dos adolescentes.

Nos lançamentos seguintes, o seu talento foi posto a prova e também muito questionado conforme a quantidade de recursos de EDM e pop mais industrializado foram sendo introduzidos nos próximos dois álbuns da artista, “My Everything” (2014) e “Dangerous Woman” (2016), esse último com grande recepção positiva da crítica.

Os três álbuns de estúdio têm muito em comum, além da grande performance vocal da cantora americana, todos contam com uma superprodução característica da música pop, o que foge um pouco da voz soprano e cheia de fineses de Ariana, que teve o passado ambientado em musicais, cantando Soul, Jazz e música lírica. Mas encontrou sua fama e fortuna na música pop.

"Sweetener" vem com uma proposta um tanto diferente, não menos ambiciosa, mas um tanto menos pretensiosa. Títulos em caixa baixa, na contramão da tendência atual dão um ar mais minimalista, que também combina com a capa, sem muitos enfeites. Quinze músicas e quarenta e cinco minutos, também na contramão do mercado atual, que preza por álbuns com muitas músicas e longa duração ou álbuns de formato-quase-ep de 7 ou 8 músicas.

A produção é quase inteiramente de Pharell Williams. "Sweetener" começou a ser gravado antes do atentado no show da cantora em Manchester no ano passado, e foi interrompido logo após o acontecimento. Naquela época a produção era do sueco Max Martin, porém, depois do trauma pós atentado, Ariana teve algumas sessões com Pharell e o convidou para embarcar no projeto.

O toque de Pharell nesse disco não é nem um pouco sutil, Williams introduziu seus timbres mais característicos nas músicas em que produziu, além disso, faz participação creditada em uma música, e backing vocals em mais um par. A sua função foi além do musical, segundo ele mesmo, foi parte produtor, parte ouvinte e parte terapeuta nas sessões do álbum.

Os primeiros riscos que Ariana se deixa correr já são perceptíveis na primeira faixa, uma introdução acapella intitulada “raindrops”. A cauda longa do reverb soa até o inicio de “blazed”, primeira faixa com Pharell, que canta o refrão da música por cima das suas percussões marcantes. De fato, a bateria e o resto do ritmo são o ponto principal no instrumental, mas os detalhes de harmonia são lindos junto com os versos de Ariana, além deles entra um piano Rhodes ritmado e um baixo de Moog clinicamente planejados e escondidos do plano principal da música.

A bateria de drum machine de Pharell segue e abre a segunda faixa “the light is coming”, quem faz participação creditada dessa vez é Nicki Minaj. O sample de voz, os 808’s ondulantes e as linhas de baixo poderia muito bem ser uma música do N.E.R.D com participação especial de Ariana e Minaj. A beat otimista casa com a mensagem da música, a entrega de Ariana é ousada e muitíssimo diferente de qualquer faixa apresentada nos álbuns anteriores, é notável que a camada de vozes característica por ter dezenas de linhas de vozes diferentes já anda na casa dos números de um digito, dando uma identidade mais crua e humana a voz de Ariana.

R.E.M é a fase do sono cujo os sonhos são de maior vivacidade e onde experimentamos os sonhos lúcidos. A faixa seguinte, com o mesmo nome, trabalha em cima dessa mesma narrativa, e aqui é perceptível a evolução da artista como lirista. A produção inortodoxa deixa sua marca registrada aqui, o instrumental é criativo, básico e os timbres singulares para o gênero. A entrega de Ariana é diferenciada e carregada de emoção e pureza, é certamente um dos momentos mais brilhantes do álbum.

Um dos singles promocionais do projeto é “God is a woman”, uma banger com pitadas bem modestas de EDM e trap music. Essa vem no caminho inverso das faixas anteriores, com muitas, MUITAS faixas de voz, dando vida a um efeito de coral. A performance de Ariana também é mais parecida com a já apresentada nos álbuns anteriores. “God is a woman” é uma escolha segura para ser um dos singles promocionais.

A faixa título é uma balada de piano produzida por Williams e também conta com backing vocals do mesmo. Tímida e um tanto despretensiosa; um piano sem sustain, uns dois timbres de pad diferentes e um drum kit, menos de 10 instrumentos constroem “sweetener”, provavelmente o momento mais discreto do álbum.

Adentrando a segunda metade as coisas mudam de perspectiva um pouco, a produção começa a ficar um tanto mais misturada e orientada para o pop de rádio. “everytime” mistura todos os truques da EDM com o trap, desde o fade in sem low-end no inicio até os hi-hats tercinados. E “breathing” é uma musica sem inspiração com um solo de guitarra bizarro e abafado.

“no tears left to cry” foi o primeiro single de divulgação, e não à toa tem uma aura muito parecida com o outro single promocional, duas produções de Max Martin, que fazem o contraponto menos experimental no álbum. São faixas que prezam mais pela polidez do instrumental e da diversidade de instrumentos e timbres, o contrário da próxima faixa: “boderline” onde é majoritariamente orientada pelo ritmo.

Ariana terminou um longo relacionamento com o rapper Mac Miller ainda esse ano, “better off” é sem duvida nenhuma uma break-up song onde ela narra a dificuldade de sair de fato de um relacionamento tóxico. A performance vocal é cativante, e a introdução gradual dos instrumentos constroem um astral ímpar no disco, é a única faixa que faz jus a sua entonação menor.

A produção fraca e pasteurizada de “goodnight n go” é interrompida por uma ponte deslumbrante entre um verso e um refrão. “pete davidson” é obviamente dirigida ao seu noivo, uma balada curtíssima de menos de um minuto e meio.

One of these days
You’ll miss your train and come stay with me
We’ll have drinks and talk about things
And any excuse to stay awake with you
And you’d sleep here, I’d sleep there
But then the heating may be down again
— https://genius.com/Ariana-grande-goodnight-n-go-lyrics

A cereja desse bolo mínimo e corajoso que se chama "Sweetener" é a última faixa: “get well soon”. Tem a melhor mensagem, a produção mais cuidadosa e uma entrega muito satisfatória de Ariana, surgindo de um piano ritmado e uma cama de snaps, apenas, e vai crescendo linda e gradualmente. O refrão vem tarde, mas vem com força e é a passagem mais bonita do álbum inteiro, é quase como se todos os nuances se juntassem em um refrão de 30 segundos.

A cauda da última nota do xilofone é estendida ao máximo, e dá inicio aos 40 segundos de silêncio total no final da música e inevitavelmente do álbum. Os 40 segundos de silencio são uma homenagem ao atentado de Manchester, Ariana alongou uma música de 4:42 para 5:22, para lembrar o dia 22/05, dia do atentado.

Ariana Grande volta dois anos depois de "Dangerous Woman" tentando achar sua nova faceta na indústria, experimentando mais e correndo mais riscos que nunca. Contudo, "Sweetener" foi um tiro certo nessa busca, Ariana está mais cuidadosa e delicada, e com certeza nos deixa esperando mais e aumenta o seu nível, e a nossa expectativa para projetos futuros.

7,8

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