Crítica | Você Nunca Esteve Realmente Aqui

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Quando te perguntarem a importância de um bom diretor (ou diretora), apresente este filme. 

"Você Nunca Esteve Realmente Aqui" é apenas o quarto filme de Lynne Ramsay, uma das mentes mais seletivas e curiosas da indústria cinematográfica. Em 21 anos ela dirigiu, além destes escassos quatro filmes, outros quatro curtas, todos também escritos por ela. Aqui ela traz uma adaptação do livro de mesmo nome de Jonathan Ames, onde um ex-agente do FBI, assombrado por seu passado, ganha a vida resgatando meninas sequestradas pelo tráfico humano. 

Não há praticamente nada de original nessa história. Milhares de filmes já abordaram este tema, desde retratos duramente realistas ("Para Sempre Lilya", "Tráfico Humano") à Hollywoodianos ("Busca Implacável"). Joe, interpretado por Joaquim Phoenix, é um homem perturbado por acontecimentos de sua infância e por seu passado na profissão, algo também comum. O que realmente torna este um dos filmes mais impactantes de 2017 (está sendo oficialmente lançado apenas agora) é justamente a mão de Ramsay, dando profundidade à história de forma tão visceral que o filme figura facilmente entre uma das experiências mais imersivas dos últimos anos. 

As falas são reduzidas a diálogos quase triviais e nada expositivos. O uso da trilha sonora que mistura o retrô com a música eletrônica atual, comandada pelo talentoso Jonny Greenwood, combina muito com a cinematografia que é ao mesmo tempo fria e pulsante, trazendo também fortes e essenciais elementos do film noir. É um filme visualmente polido, que quase poetiza a obscuridade e sujeira daquele submundo ali trabalhado. Aos primeiros cinco minutos você já está mergulhado, mesmo que a história demore um tanto além do necessário para realmente engatar.   

A subjetividade ajuda o filme a elevar os momentos mais pesados à níveis desconfortáveis e há pelo menos duas cenas aqui capazes de fazer o mais frio dos corações se render. 

As imagens falam mais alto que o próprio roteiro aqui. Os flashbacks da infância de Joe, as experiências traumáticas em seu trabalho no FBI, sua relação de afeto verdadeiro com sua mãe, muito pouco é verbalizado, mas você sente na pele a perturbação que este personagem, tão complexo, exala a cada cena. O trabalho de Phoenix é seminal, desde suas expressões e trejeitos à sua fisicalidade. Em um momento ele come jujubas deitado em um sofá, e apenas aquele simples ato é magnético, algo do feitio de alguém como Daniel Day Lewis em seus melhores dias. Em outros, ele desconta toda sua raiva comprimida e, apesar da brutalidade conceitual das cenas, Ramsay opta por nos mostrá-las de ângulos diferentes, nunca enquadrando diretamente a violência. 

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Talvez o tema central aqui na verdade seja outro, um que faz com que as comparações de "You Were Never Really Here" com "Taxi Driver" realmente tenham sentido. Joe, assim como Travis Bickle, é uma pessoa perigosamente solitária, com um muro a sua volta que apenas nos permite enxergá-lo de verdade por conta de poucos tijolos caídos, onde é possível perceber que ao menos uma pequena parte de si ainda se lembra de viver. Já a jovem Ekaterina Samsonov consegue evocar outro lado da perda da infância quando comparada com Jodie Foster, apresentando um vazio desolador em seu olhar. Ramsay foi genial em cada momento, tirando o melhor de uma das melhores duplas de 2017 (e 2018).

"You Were Never Really Here" é o tipo de filme que o cinema precisa que, assim como os projetos de sua diretora, se encontra cada vez mais raro nos dias de hoje. É um filme que não procura dinheiro, prêmios ou qualquer forma de reconhecimento. É uma obra de arte, como qualquer filme deveria ser. 

9.5

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