Crítica | Pantera Negra
Dois anos atrás, o Pantera Negra de Chadwick Boseman foi o melhor personagem em "Guerra Civil" e deixou todos ansiosos para sua história de origem. Hoje, seu filme é talvez o melhor do universo estendido da Marvel.
Dirigido pelo talentoso Ryan Coogler, responsável por revitalizar a franquia "Rocky" com o espetacular "Creed" de 2015, co-escrito por um dos roteiristas de "American Crime Story: The People vs. O.J. Simpson" e com um elenco estrelado predominantemente por atores e atrizes negras estabelecidos, "Pantera Negra" é o 18º filme do universo cinematográfico da Marvel e conta a história da coroação de T'Challa como o rei de Wakanda, após a morte de seu pai.
Este é o filme que o gênero de super heróis tanto necessitava - após o razoável "Blade II" de 2002 e do horrendo "Mulher Gato" de 2004 - por nos mostrar um elenco negro representando uma civilização evoluída, pacífica e que acima de tudo mantém seus valores ancestrais lado a lado com o desenvolvimento de sua sociedade. Mas é também um filme extremamente revigorante dentro do universo da Marvel. Aqui não vemos nenhum outro super-herói e mesmo que as conexões com outros filmes existam, em momento algum elas tiram o foco da história.
Este é um filme do "Pantera Negra" antes de ser propriamente da Marvel.
Não que algumas tendências possam ser simplesmente apagadas. Apesar de inúmeras cenas de ação, todas entre as mais bem coreografadas do estúdio, se vê pouco ou quase nada de sangue e violência visceral, algo que seria bem vindo visto o impacto e dimensão dados aos perigos do filme. O tom consegue ser leve e cômico e, mesmo que em momento algum desvirtue a mensagem social e política extremamente carregada que o roteiro traz consigo, previne o filme de alçar voos ainda mais altos quanto à emoção e peso da história. Há uma cena no final do filme, por exemplo, em que a estonteante cinematografia se alia perfeitamente ao simbolismo que a atitude de T'Challa exibe, e ela poderia ter sido melhor aproveitada com um pouco mais de tempo e desenvolvimento, podendo assim ter levado qualquer um às lágrimas no cinema.
Essa falta de ousadia é compreensível, no entanto, por tratar-se de um filme da Disney, e apesar da mesma não prejudicar o filme, é a única coisa que o segura de figurar não apenas como o indiscutível melhor segmento da Marvel, mas como um dos dois ou três melhores filmes do gênero.
Mas isso não são falhas exatamente, e sim empecilhos que apenas não elevam ainda mais o filme. As únicas falhas "reais" aqui são uma performance mediana de Martin Freeman e um CGI um tanto abaixo do nível de excelência do estúdio (ainda anos luz a frente da DC...). Fora isso, "Pantera Negra" excede em tudo.
O casting é um dos melhores dos últimos anos, nos permitindo ver atores consagrados, como Forest Whitaker e Andy Serkis, se divertindo e brilhando mesmo com pouco tempo em tela, ao mesmo tempo que nos mostra rostos novos, como o astro de "Corra!", Daniel Kaluuya, e as maravilhosas Danai Jekesai Gurira, como a personagem mais badass da Marvel, e Letitia Wright, como talvez a mente mais brilhante do estúdio até aqui. E não podemos esquecer, é claro, de dois dos melhores atores dessa geração: Lupita Nyong'o e sua presença calorosa, repleta de bondade, e o cada vez melhor Michael B. Jordan, que acaba de destronar Loki como o melhor vilão em filmes de super herói desde o Coringa de Heath Ledger.
As interpretações são impulsionadas à níveis ainda maiores por conta dos aspectos técnicos, que funcionam em perfeita sinergia para criar um mundo rico em detalhes, capaz de nos deixar desolados por saber que Wakanda não é de verdade. O design de produção, as roupas, os rituais, a cinematografia evocativa e grandiosa ("Rei Leão" anyone?), a trilha sonora de Ludwig Goransson, que manuseia habilmente suas composições e as diversas canções providas pela equipe de estrelas reunida por Kendrick Lamar, sempre as utilizando para enfatizar e enriquecer ainda mais a história sendo contada. Tudo em "Pantera Negra" é ao mesmo tempo extraordinário e intrinsecamente relacionado com suas inspirações reais. É um mundo imersivo, que parece te levar para uma viagem dentro deste lugar utópico que a todo momento tenta se mostrar possível de alcançar com peças que já estão entre nós.
Ao centro de tudo, então, está o super herói. O Pantera Negra de Chadwick Boseman é imperfeito, repleto de camadas, com ainda muito a aprender, mas que apresenta todas as virtudes que um verdadeiro super herói deve trazer. É assim que se faz um filme de origem, mostrando um herói imponente quando com sua máscara e essencialmente humano sem ela.
"Pantera Negra" é um espetáculo cinematográfico, uma celebração da cultura negra, um dos melhores filmes de seu gênero e o passo mais próximo da Marvel em ultrapassar as suas próprias barreiras. É um filme feito não para separar a cultura negra das demais, mas sim para mostrar que a união e a aceitação são o caminho para uma sociedade melhor.