Crítica | Pieces of a Woman

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Poucos momentos são mais íntimos para uma mulher do que o parto, ainda mais se for o primeiro.

Ao escolher nos colocar lado a lado do drama e agonia que tomam conta de Martha e Sean, em um plano sequencia que dura praticamente trinta minutos, o diretor Húngaro Kornél Mundruczó cria um dos momentos mais intensos no cinema em 2020, mas apesar de ser uma ideia ousada e justificável, há algo ali que faltou.

Tendo o luto como, basicamente, seu único tema, “Pieces of a Woman” mostra como o casal lida com a perda de sua filha recém-nascida, por complicações pós-parto que poderiam ser evitadas em um hospital, mas eles haviam decidido ter a criança em casa. O que, de cara, é uma oportunidade perdida do cineasta e da roteirista Kata Wéber, que jamais abordam o debate quanto à essa decisão que, ao menos ao meu ver, se mostrou no mínimo equivocada e acabou custando não apenas uma vida. Pois o que vemos a seguir é como este erro reverberou na vida de todos envolvidos, inclusive da parteira substituta (o motivo da “oficial” não estar disponível SABENDO que o dia estava chegando é uma conveniência absurda) que fora acusada pela morte da criança quando, claramente, sua única intenção era ajudar o casal.

Partindo daí, tive uma dificuldade imensa de simpatizar com os personagens de Vanessa Kirby e Shia LaBeouf. Inseguro de nos atacar com o plano do parto logo de cara, Kornél prefere estabelecer o cenário com algumas poucas cenas que, apesar de mostrarem a cumplicidade dos dois, soam mais como o método mais fácil de nos apresentar o casal. Em uma dinâmica de novela, Martha parece desafiar a mãe ao estar com Sean, que por sua vez está sóbrio há seis anos e, já ali, era ÓBVIO que os personagens teriam conflitos relacionados a isso. Pense bem, se a primeira coisa que víssemos fossem os esforços do casal no parto seria impossível não simpatizar com sua dor para, apenas então, descobrir o que vem a seguir. Porém ao nos telegrafar o restante do filme antes mesmo deste começar, Kornél nos dá a opção (mesmo que subconscientemente) de gostar dos dois ou não, e não é como se aqueles poucos minutos fossem lá assim convidativos.

E não que devamos “gostar” de alguém para sentirmos por esta pessoa - por mais que a pandemia mostre que nem de quem gostamos cuidamos de verdade -, mas na hora de desenvolver seus personagens não é como se o trabalho feito nos fizesse ao menos entender de onde vem, quem são e porque são. Sean revela ser um bruto egoísta, que tem duas atitudes (spoiler: sexuais) inexplicáveis e então é escanteado pelo roteiro sem qualquer emoção ou redenção, já Martha é pintada como uma mulher insossa por natureza, algo que possivelmente puxou da mãe que, apesar da fragilidade vinda da idade e da genuína preocupação com a filha, claramente sempre coloca os próprios interesses em meio a tudo que faz. Um cineasta melhor transformaria este filme em uma jornada intragável, dolorida e mostraria o pior destas pessoas vindo do erro que cometeram, mas Kornél questiona isso ao abusar de uma trilha sonora manipuladora, cores vibrantes em momentos onde o cinza deveria reinar e de uma sequência final que é contrária a tudo que assistimos até então. Além disso, ele abusa da obviedade, como quando Martha olha para meninas na rua como se o filme estivesse prestes a se transformar em um suspense macabro.

Cotada para todas as principais premiações de final de ano, Kirby está dedicada, notavelmente, mas jamais me convenceu de sua dor tanto no parto, como após o mesmo. Eficaz apenas em adotar uma postura distante e fria enquanto lida com o luto, o longa ainda a dá de presente um monólogo de Oscar maquiado, com a intenção de ser grandioso, quando ela reconhece que a culpa da morte da filha não é de ninguém em específico - eu discordo, acredito que a teimosia e falta de preparo do casal são os culpados, mas posso estar sendo duro demais. Também agraciada com um momento para brilhar está Ellen Burstyn, brilhante sempre que em tela e balançando de maneira perfeita as intenções conflitantes de sua personagem. Uma pena este diálogo entre as duas tomar contornos, também, de novela, assim como parte da resolução de Sean, que LaBeouf encarna com a intensidade e estranheza que o tornam um ator fascinante, mesmo que prejudicado pelo roteiro.

Mas se parece que odiei “Pieces of a Woman”, não é o caso. O plano sequencia, como vocês devem ter ouvido falar, merece destaque pela naturalidade assustadora com que fora encenado, e o diretor consegue captar as pequenas expressões do trio que indicam que algo de errado está acontecendo. A edição a partir do segundo ato (que começa com um óbvio, mas bem encaixado plano do céu cinzento) compensa, de certa forma, o fato de Kornél não conseguir usar os enquadramentos para refletir a dor de seus personagens, em um filme excessiva e erroneamente espaçoso. Alie isso às boas interpretações e o longa jamais se torna ruim ou chato, mas indelicado demais para tratar um assunto que requer muito mais cuidado. Além disso, o detalhe da maçã e das fotos são o tipo de sutileza que faltou ao resto da projeção.

E alguém tem qualquer dúvida que um filme sobre depressão pós-parto, do ponto de vista feminino, seria melhor dirigido por uma mulher?

4.8


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