Crítica | Fale Comigo
O terror vive em um falatório oscilante. De um lado, os blockbusters, com seus jumpscares, fórmulas e códigos que dão certo (o nicho Invocação do Mal é um grande exemplo); do outro, o tão discutido pós-terror, filmes mais prestigiados, com elementos conceituais e sérios (o termo ganhou notoriedade com A Bruxa e Hereditário), características de um terror psicológico que não necessariamente abusa ou usufrui do medo em si.
Com as regras ditadas e os limites de expansão impostos que atormentam essa discussão, a maior cilada está acreditar que o pós-terror irá sempre trazer algo inédito. O cinema está sempre em processo de mudança, se adaptando ao novo, e nesse caminho à inovação, que consequentemente é lento, encontra-se a exploração de várias premissas de outros filmes, e o que cabe ao filme é o seu desenvolvimento em cima disso.
Não necessariamente um filme sobre horror psicológico é inovador, e um sobre sustos é repetitivo, mas o interessante é que, em Fale Comigo, há todos esses tópicos em questão de modo perceptível na trama. Puxando premissas de A Morte do Demônio (1981, objeto que invoca espíritos) e até mesmo Hereditário (2018, o luto como um pontapé inicial), o filme junta isso e transforma em um desenvolvimento distinto, associando o vício implicitamente na brincadeira e na sensação que usar a mão passa, mesmo que a situação se agrave a cada vez que participam.
O longa no início teve um parecer de indecisão ao infiltrar o humor em certos momentos - seja específico ou não, como a cena do cachorro e o toque de celular de Jade, que pode até passar despercebido - mas no decorrer isso dilui discretamente. Sem contar que há uma mistura equilibrada das faces do horror, como o gore, o drama, o suspense e até o alívio cômico (uma pitada de Pânico de '96) mesmo ainda podendo ser considerado um "pós-terror”. Sem usufruir tanto dos jumpscares - o que achei uma ideia ótima, pois deu uma abertura para explorar outros sub temas - outras técnicas mais comuns estão presentes em momentos específicos, causando grande impacto em cenas seletas para serem minuciosamente elaboradas com os efeitos e a maquiagem, além de construir tensões reais e pontuais pelo roteiro. Há também um certo discernimento ao decidirem não revelar o rosto do espírito durante o ritual, pois estende à imaginação do espectador, que sempre pode ir além com a criatividade, e sem contar a praticidade e o mecanismo com o jogo de câmera e as expressões corporais a fim de demonstrar o que os personagens estão vendo. Os diretores sabem que o público precisa estar imerso para que as complexidades psicológicas que envolvam a decisão de uma outra personagem seja justificada. Para isso, cria-se a consciência dos personagens em relação a suas ações de modo que atinge emocionalmente quem os vê.
O longa mergulha fundo no retrato do luto com o destino final da personagem, um paralelo a realidade de muitos em sua situação. Durante toda a trama, a cinematografia e a fotografia conseguem capturar tudo o que atormenta a personagem mesmo que ela nem expresse. Como as gotas da chuva refletindo em seu rosto demonstrando seu vazio e aflições e a sua solidão ao mostrar o relacionamento dos demais na cena em que estão no sofá para o ritual, além da sua demonstração excessiva de carinho.
Outros momentos perceptíveis são o fato de a única peça colorida que ela use seja o amarelo em forma de esperança ou uma possibilidade de ser feliz outra vez, além de usar a mão constantemente como uma válvula de escape para a sua própria realidade triste e agonizante, referenciando o uso de drogas e álcool.
Por conta da grande expectativa gerada antes da sua data de estreia, Fale Comigo talvez não escape do vício momentâneo e definição do genérico criados pelas pessoas e círculos sociais específicos que utilizam um sistema matemático para ter uma opinião sobre um filme, mesmo que esteja com uma sequência confirmada. Por fim, é mais um terror com ótimas adaptações mas com uma concepção interessante e diferente do acostumado.