Crítica | Dois Papas

doispapasposter.jpg

Nada sobre religião é fácil.

Ter, falar, entender e representar a Fé pode ser um dos temas mais longos da história da arte, apesar de reducionismos e visões preconceituosas que eventualmente são tentadas, poucas vezes um filme sobre religião foi capaz de apresentar uma compreensão sólida do credo como “Dois Papas”.

Apesar disso, é um filme pouquíssimo contraditório que relativiza crimes cometidos por uma instituição presente no mundo há séculos sem nenhum confronto maior ou relevante. Sua história é basicamente como se deu o início e o fim do papado do Papa Bento XVI (Anthony Hopkins), com a maior parte da sua narrativa voltada para os últimos dias, em que passou reunido com seu sucessor Francisco I (Jonathan Pryce). O que está em cena é a disputa por modelos de Igreja para o futuro, as diferenças de vida e de visões dos dois pontífices. A direção de Fernando Meirelles tenta trazer ares documentais para a obra como se dela fosse sair uma síntese ou alguma reflexão nova sobre a Igreja e seus rumos, o que não acontece, mas ainda assim, é um bom percurso sobre visões religiosas que sempre estão em debate.

O filme inicia no conclave que elegeu o conservador Ratzinger para a sucessão de João Paulo II, logo ali já se demonstra as maiores inconsistências e também as forças que o filme passa nas duas horas em tela. Claro que talvez exigiria um trabalho mais afiado para traduzir 1500 anos de política na Igreja em algumas falas, mas o que mais cansa e enfraquece é o excesso de exposição feitas pelos personagens o tempo todo. O prólogo termina com a eleição de Bento XVI, representando a vitória do lado conservador da Igreja Católica. Fernando Meirelles optou bem por misturar a representação dirigida por ele com imagens documentais do momento da escolha, por exemplo a praça da Santa Sé lotada de pessoas esperando pela fumaça, representando o poder e a importância que a Igreja ainda tem no mundo. Recupera também entrevistas feitas à época, nas ruas com pessoas dando sua opinião sobre o novo papa, que levantam alguns dos questionamentos que marcaram seu breve papado. Sua visão retrógrada sobre divórcio, seu envolvimento com o nazismo, entre outras questões polêmicas.

Jonathan Pryce interpreta o Papa Francisco I

Jonathan Pryce interpreta o Papa Francisco I

Flash Forward pro ano de 2012: vemos um menino andando pela periferia de Buenos Aires enquanto um off nos conta a história de São Francisco de Assis, na passagem em que ouviu o chamado de Deus para reformar sua igreja. O menino anda até uma missa pregada a céu aberto pelo então bispo Mario Bergoglio, que fala de igualdade, solidariedade e futebol para uma multidão. Como a cena de introdução foi no Vaticano, essa ambientação e apresentação do personagem nas periferias latino americanas, e outra cena dele conversando com pessoas na rua sobre a sua vontade de se aposentar, são elementos usados para criar o contraste entre o luxo da igreja católica de Roma e o estilo de vida simples pregado pelo franciscano. Imediatamente após manifestar sua vontade de entregar o seu bispado, recebe uma convocação do sumo pontífice de Roma, para visitá-lo. A partir desse ponto, que “Dois Papas” se desenrola em um espécie de panorama sobre a história da Igreja Católica sintetizada entre as discussões dos dois personagens.

Como bem reforçado no filme, Ratzinger não era apenas um conservador, mas um profundo conhecedor e estudioso da tradição católica, para além dos costumes sociais, mas também sobre o ofício dos padres, crítico, por exemplo, do pouco conhecimento de latim que seus subordinados possuem. E esses são os fios que entoam os diálogos entre os dois personagens. Logo que se encontram, o papa questiona o então bispo porque ele concede perdão para divorciados e homossexuais e confronta o estilo de vida deste como se fosse uma insubordinação a igreja, que também é o motivo pelo qual diz que não aceitará a aposentadoria de Bergoglio. O encontro entre os dois ocorre durante a divulgação dos escândalos de pedofilia na Igreja Católica que foram ligados ao então papa Bento XVI. Seus diálogos também abordam as crises e a dura crítica que Bergoglio faz a maneira como a Igreja lida com esses problemas, como um dos pontos pelos quais têm perdido fiéis pelo mundo. 70 minutos dos 110 da produção se passam durante os dois dias em que os dois papas conversam e refletem sobre a fé e a Igreja.

Anthony Hopkins interpreta o Papa Bento XVI

Anthony Hopkins interpreta o Papa Bento XVI

Passa a impressão que o tempo não é bem utilizado, pois por mais que seja proveitoso assistir às duas excelentes atuações, o resultado é repetitivo, como dito, as falas são muito expositivas e didáticas, se a intenção é construir dessa maneira o filme, poderia gastar menos tempo com ela. Tecnicamente também não se justifica a escolha por um trilha com basicamente músicas pop, com pouca ou nenhuma relação com a narrativa do filme, como “bella ciao” e “mamma mia”. Também, o longo flashback em que Bergoglio reflete sobre sua relação com a ditadura é pouco situado e em último caso irrelevante, a não ser que o filme tenha alguma intenção além de contar a história dos dois papas. Que parece precisamente o caso. Como declarado literalmente pelo personagem no filme, a Igreja precisa de alguma maneira tentar recuperar fiéis pelo mundo, que não param de diminuir. “Dois Papas” é uma clara tentativa de tentar recuperar a auto estima dos católicos e melhorar a imagem do Vaticano para o mundo, buscando construir o perdão como valor fundamental do catolicismo, para tentar redimir a imagem do ex-papa Ratzinger e até tentar revisar as acusações que se fazem contra o atual Papa sobre seu envolvimento com a ditadura Argentina. 

Completamente problemático principalmente no seu perdão a um líder que por mais que condenasse homossexuais com muita frequência foi conivente com seus colegas e subordinados praticando pedofilia dentro da Igreja. Além disso, o filme escolhe apagar outro aspecto da história de Ratzinger. Seu envolvimento com o nazismo é rapidamente mencionado em um dos vídeos documentais que aparecem em uma transição do filme, logo nenhuma reflexão mais profunda sobre o papel da Igreja nesses dois traumas é realmente realizada, são apenas mencionadas como uma questão pessoal de Ratzinger e não algo reproduzido sistematicamente por mais de 1000 anos em uma das mais antigas e poderosas instituições o mundo. “Dois Papas” é um filme de Fé que, como disse, busca reconciliar as pessoas com o catolicismo, para fazer isso acaba sendo conivente com crimes e peca por um roteiro óbvio e brega que no fim, não constrói nada novo e deixa a impressão que por mais que se faça mudanças no comando, a Igreja Católica não sente verdadeira vontade de mudança.

6

doispapas.jpg
Anterior
Anterior

Os 10 Melhores Álbuns de 2016

Próximo
Próximo

Um Lugar Silencioso - Parte II | Teaser