Crítica | All Too Well

resgatando as próprias mágoas

Em seu novo curta, Taylor Swift confirma seu talento multifacetado, e também o quanto seu ego influencia na própria arte.


Acho que nunca escrevi sobre videoclipes aqui no Outra Hora, e não consigo pensar numa opção menos significativa para tal, mas como a própria Taylor entitula a obra como “curta”, vou fingir que seguirei sem ter escrito sobre videoclipes após o fim desse texto.

Escrevi no Letterboxd que é preocupante que tantas pessoas se identifiquem com isso, por uma série de motivos. O principal deles, no entanto, é o ego imenso da pessoa por trás de todo o projeto, da música à direção. Não me entendam mal, apesar de ser o maior fã de Kanye West que conheço, considero Taylor uma das boas artistas de hoje (Blank Space é uma das melhores músicas do século 21), mas não é possível negar que o mundo que ela vive divide semelhanças com aquele onde Ye acorda todo dia. Da fatídica ligação onde ela faz questão de dizer que ele não sabia que ela havia vendido milhões de cópias, à sua cena arrasada por ter sido “esnobada” no Grammy com Reputation (mesmo depois de ter ganho injustamente em 2016, e todos sabem que o Grammy é racista, então por favor), ao final desse curta onde tudo que vemos é um livro escrito por ela, com suas fãs a olhando como a volta de Cristo.

E isso, olhem só, não é um problema, e quem sabe até uma qualidade para grandes artistas.

Mas em “All Too Well” Swift dá um passo além para aqueles que sequer queiram falar sobre o assunto sem agendas prévias. Não que o curta seja “ruim”, mas é um emaranhado de clichês feito para fazer meninas (não importa a idade) acreditarem que o namorado “soltar a mão” no meio de um jantar seja um anúncio do apocalipse. Seria incrível se ela mostrasse o quão boba é a situação, ou ainda melhor, o quão bobos somos por nos preocupar com algo assim (e nos preocupamos diariamente com coisas que percebemos diferente do que são, é nossa natureza ansiosa), ou ainda melhor, como essas diferentes perspectivas sobre o mesmo ato podem gerar desavenças fatais. Embora até seja possível fazer estas leituras (como tudo que ela faz, há uma certa ambiguidade) o ato parece mesmo ser o catalisador do desmoronar de um relacionamento - o desespero da menina chega a ser bonitinho, já Dylen O’brien virou uma paródia de si mesmo -, e agora a tal coisa já virou meme.

A razão de aspecto fechada (quadrado ao invés de retângulo), a fotografia granulada, as luzes indiretas, a atmosfera fria e até distante, parece uma mistura de Nicholas Sparks com algo que Sofia Coppola faria, ou com muita boa vontade, o clássico “Cenas de Um Casamento” de Bergman. Isso se Swift for tão longe, não sei qual o nível de suas referências cinematográficas, mas não acharia absurdo ela abraçar um projeto assim consciente que ela própria é o suficiente. O resultado é… algo competente, digamos, mas que nunca se decide se é curta ou videoclipe, e parece sugerir uma auto-importância-inovadora por misturar as formas de arte quando Michael Jackson fazia isso 40 anos atrás. Parece destinado a arrancar lágrimas absolutas das fãs e o escárnio completo dos haters (ela e Kanye se parecem mesmo), mas acho que, excluindo-se os polos previamente trazidos de outros carnavais, o resultado final é bem esquecível.

O jovem clássico de Coppola, “Encontros e Desencontros” talvez seja o melhor parâmetro, mas se aquele filme (um dos meus favoritos!) buscava analisar uma relação ao mesmo tempo que compreende-la, aqui parece que tudo é manipulado para a constatação que a última cena revela: além das fãs hipnotizadas (ou aquilo é uma piada de mau gosto com sua fã base, ou Swift realmente tem distúrbios de ego preocupantes), Jake Gyleenhaal também não consegue tirar os olhos dela.

Meu palpite, ele nem sabe onde anda o tal cachecol.

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