Crítica | X-Men: Primeira Classe

Geralmente é raro, no gênero super herói, que eu destaque o trabalho dos diretores, principalmente quando estes são apenas os responsáveis por emular a visão da empresa para qual trabalham. A trilogia do “Cavaleiro das Trevas”, por exemplo, é de Christopher Nolan, e não da DC, já todos os filmes da Marvel são da Marvel antes de serem de seus respectivos diretores. Pelo menos é assim que eu vejo.

Isso ocorre parcialmente com a série dos X-Men, que, fora alguns títulos, parece sempre funcionar em cima da mesma temática visual e estrutura narrativa. Claro, é menos genérica que a Marvel como um todo, mas também menos singular que a trilogia de Nolan e, aqui, paro de comparar os três universos (assunto para outro texto), pois este supervisionado pela Sony é, de longe, o mais subestimado de todos. Diria até que compete de igual para igual com a Marvel em qualidade, mesmo que seja menos consistente, ficando por pouco em terceiro lugar, atrás dos filmes de Nolan e a frente do DCU. Tá, agora sim, parei.

Voltando para o começo do texto, se qualquer diretor destes filmes de universos compartilhados merece a alcunha de original este deveria ser Matthew Vaughn que, responsável pelos absurdos, mas divertidíssimos “Kick Ass” e “Kingsman”, alcançou em “Primeira Classe” não apenas o melhor trabalho da carreira, mas um filme que considero estar entre os dez melhores exemplares do gênero mais explorado dos últimos dez anos. Como disse Pablo Villaça em sua crítica sobre o filme, quem diria que o que os X-Men precisavam era de uma versão adolescente.

Mas não é apenas isso: ao dosar a ação e situar estes personagens fantásticos em um cenário histórico, Vaughn tomou conta do roteiro que lhe fora entregue e construiu algo que, de acordo com o próprio, era o seu maior sonho: uma mistura de X-Men, James Bond e thriller político situado nos anos 60. E é justamente isso a maior força desta prequel (precisamos de um nome em português para isso, sugiro que prequência vá para o dicionário): a junção de gêneros que dá a Vaughn tempo e cenários específicos para desenvolver seus personagens principais de forma orgânica.

Magneto - brilhantemente interpretado por Michael Fassbender -, por exemplo, tem suas origens durante o holocausto exploradas de forma dolorida e verossímil, assim como sua ligação histórica e ideológica com Sebastian Shaw - um dos mais ameaçadores e intrigantes vilões do gênero nas mãos de um Kevin Beacon que mais do que se divertiu com o papel. Já Xavier - James McAvoy acerta em dar uma outra face ao personagem, galanteador e cheio de vida, sem o ar de sabedoria presente em Patrick Stewart que só viria com os anos - e Moira - vivida por Rose Byrne com confiança e dedicação de alguém que precisa se mostrar valiosa em um mundo tão machista - representam não apenas o lado mediador entre mutantes e humanos, mas entre estes últimos e eles próprios.

Inteligentemente, Vaughn utiliza o núcleo dos mutantes mais jovens para quebrar o peso narrativo de ambas as tramas citadas acima, e o faz com um olhar natural, sensível e divertido à clara relação de seus poderes e da puberdade. A Mística de Jennifer Lawrence tem problemas com a aceitação de sua aparência; a inteligência do Fera de Nicholas Hoult é, ainda assim, menor que sua timidez e insegurança; Zoe Kravitz dá vida a uma jovem que vende seu fantástico (no sentido sobrenatural da palavra) corpo para poder sobreviver; o Havok de Lucas Till prefere a solitária por não saber conter suas rajadas de energia; Caleb Jones consegue gritar alto, mas suas habilidades funcionam melhor com peixes do que com garotas. Além disso, todos tem habilidades e personalidades diretamente ligadas à descoberta da própria sexualidade, algo que Vaughn também consegue explorar com eficiência ao nos mostrar a natureza de Mística. Porém, fica minha crítica ao destino de Darwin, um cliché hollywoodiano interminável e de péssimo gosto.

E é claro que Xavier daria um sermão em todos quando visse os mesmos fazendo uma festa com suas habilidades enquanto Magneto responderia com um simples “esplêndido”, pois se o primeiro espera responsabilidade de seu grupo, o segundo sabe que a rebeldia foi o que o manteve vivo até então.

As interações entre os dois amigos/rivais são, inclusive, os melhores momentos do longa, justamente por colocar duas personalidades tão inteligentes frente a frente ressaltando tanto sua afinidade um pelo outro como a diferença entre suas abordagens. Em minha cena favorita, Xavier (com um engraçado e sutil movimento com a mão) sugere à Erik que permita que suas memórias sejam revisitadas, e quando este derrama uma lágrima apenas para, segundos depois, realizar um feito antes impossível, o roteiro pisca para todos nós mostrando que grandes conquistas tem de começar pelo menor dos gestos.

E se a narrativa e as nuances tornam este, de longe, o filme mais relacionável da saga, o excelente senso de ritmo de Vaughn, em parceria com a edição de Lee Smith, faz com que os núcleos da história se movam com dinamismo, sem nunca soarem desconexos. O design de produção é essencial na reconstrução de época tanto em larga como pequena escala, desde os cenários à dança realizada por Mística, à música que toca na evocativa montagem onde Xavier e Erik recrutam os mutantes. Já as cenas de ação são menos impactantes e inventivas que outros filmes do gênero, justamente por estarem mais baseadas em peso narrativo do que impacto visual, com o único grande destaque sendo o combate de Havok e Besta com Azazel, visto que Vaughn é mais eficaz em mostrar a relação de seus personagens com os poderes durante os treinos - que poderiam até trazer o tema de Rocky, caso fossem situados alguns anos a frente, sem parecer forçado.

Há, também, uma certa dissonância nas habilidades de Xavier, pois há momentos onde o mutante é capaz de feitos que impediriam o ataque de mísseis no final, por exemplo, caso ele simplesmente decidisse congelar os soldados. Os capangas de Shaw, inclusive, não teriam chance contra ele após a bela Emma Frost sair de cena. E se o beijo entre ele e Moira pareceu um tanto deslocado, a cena envolvendo o acidente que o deixou paraplégico não é apenas um magistral uso de câmera lenta e silêncio, mas um exemplo da qualidade monstruosa da dupla composta por McAvoy e Fassbender. Esta cena que, nas memórias distorcidas da agente, se torna quase hilária, não apenas funciona narrativamente, mas representa o intelecto superior de Xavier de transformar o momento mais trágico de sua vida em uma lembrança doce na cabeça da jovem por quem se apaixonara.

Divertido, relevante e capaz de provocar discussões sociais e políticas, “Primeira Classe” é um filme que poderia funcionar mesmo sem os fantásticos poderes de seus personagens, algo que os torna ainda mais especiais por parecerem, justamente, uma extensão natural daqueles que os tem.

8.9


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