Filmes para Toda Hora | Clube da Luta

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É insanamente difícil falar, objetivamente, sobre o seu filme favorito. Ainda mais quando não deveríamos falar sobre ele.

Tanto, que criamos esta coluna no site justamente para abordarmos aqueles projetos que apelam mais para nosso emocional que para nosso racional e é justamente isso que pretendo fazer, a seguir, ao falar sobre este filme de David Fincher que, 20 anos atrás, provocou um dos maiores debates do último meio século no cinema.

Na nossa nova edição do Filmes Para Toda Hora, trazemos um jovem clássico tão icônico quanto polêmico, tão influente quanto desafiador, tão divertido quanto perigoso.


Hoje, já virou cliché amar “Clube da Luta”. Pergunte para seus amigos mais próximos (de preferência homens) quais seus filmes favoritos e é bem possível que ao menos um o tenha como resposta.

No famigerado (motivo para outro texto) top 250 do IMDB, o filme atualmente se encontra em 11º (deve voltar ao top 10 assim que a hype de “Coringa” baixar); em uma pesquisa de 2008, feita pela revista Empire, sobre os 500 melhores filmes de todos os tempos, o filme de Fincher ficou com a décima posição; em lista curada por um dos mais tradicionais sites de cinema do Brasil o longa atingiu a posição de 6º entre os melhores filmes de 1997 até 2012; na lista de um dos mais relevantes críticos brasileiros, foi 4º entre os melhores de todos os tempos; Quentin Tarantino o colocou entre seus 20 favoritos desde o começo de sua carreira como diretor; e, é claro, as marcantes frases de Tyler Durden (e o próprio) figuram constantemente em listas sobre as melhores da história do cinema.

Além, também, das dezenas de cópias e sucessores que tentaram emular seu sucesso com o público ao oferecer análises similares sobre o sistema e a sociedade. Alguns sucederam em suas propostas como “V de Vingança”, a série “Mr. Robot”, “O Homem Duplicado” de Villeneuve, e até o já falado “Coringa”. Já outros caíram no esquecimento como o absurdo “O Procurado” e até o brasileiro “José Aldo: Mais Forte Que o Mundo”.

Este amor, apesar de justificável pela qualidade do filme inspirado no excelente livro de Chuck Palahniuk, já começa a encontrar detratores não por discordarem ou desgostarem de seu conteúdo, mas da recepção exagerada por boa parte do público que se julga super inteligente por amar o filme e idolatrar os ideais que o mesmo traz.

E reconheço, como fã não apenas deste, mas de toda a carreira de David Fincher, que “Clube da Luta” é, sim, superestimado por mentes que se julgam superiores, mas que não percebem, nem com dezenas de revisitas à obra, coisas que estão bem na sua frente, nem que elas sejam acompanhadas de uma narração, um borrado de cigarro, e um dedo de Brad Pitt apontando para onde se deva olhar.


E é justamente por isso que eu, como indivíduo, não consigo deixar de amar este filme: enquanto todos se matam para defendê-lo e vangloriá-lo por conta de suas mensagens, o próprio ri e se diverte com a própria presunção e acredito ter aprendido a fazer o mesmo.

Mas o que isso quer dizer?

Bem, faça um exercício: à que gênero “Clube da Luta” pertence? De acordo com o IMDB, Letterboxd e o RottenTomatoes a resposta seria drama, enquanto apenas o último também o qualifica como comédia. O que diz David Fincher? Coming of age. O que diz Jim Uhls, o roteirista? Comédia romântica. De acordo com uns amigos o qual fiz a mesma pergunta: masculino (risos), ação, suspense psicológico. A resposta correta? Não há.

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Fincher não foi brilhante apenas por absorver e retratar os principais temas presentes no livro de Palahniuk, mas por representá-los de forma tão ambígua como seu personagem principal, adicionando tons de ironia tanto à construção das cenas como na forma como Brad Pitt e Edward Norton interpretam seus personagens. É possível perceber todos estes gêneros acima em “Clube da Luta” e, ainda assim, se torna impossível classificá-lo como qualquer destes. Pessoalmente, acredito que o que assistimos é uma história de amor adaptada de um livro de drama existencialista que abraça o caos na mesma proporção que ri daqueles que o fazem. Pois se Jack (vamos chamá-lo assim) nutre o mais profundo desgosto por Martha, é apenas por causa daquela criatura exótica que ele consegue se libertar das amarras presentes em sua vida apenas para perceber que toda a radicalidade que adotara na figura de Tyler Durden não passava de um momento muito estranho da mesma.

Isso pode ser percebido facilmente quando desistimos de tentar nos moldar pelos muitos discursos que o filme propõe. À primeira vista, as frases mais marcantes - e são muitas - são aquelas sobre como nosso próprio consumismo acaba nos consumindo, uma verdade ainda maior na época das redes sociais onde o ter é ainda menor do que o mostrar, mas após análises mais profundas e menos impressionadas, fica claro que o que Tyler Durden - uma espécie de Coringa sem a maquiagem, V sem a máscara, com um rosto de anjo e um físico que até hoje inspira iniciantes da vida de academia (quero ficar que nem o Brad Pitt naquele filme lá) - queria colocar na cabeça de seu lado mais fraco é como não se pode desperdiçar a vida no piloto automático. Comprar em excesso é algo tóxico e viciante, mas não saber o porquê de estar comprando é ainda pior, ao passo que ser convencido de não comprar por alguém com belas palavra não faz de você menos idiota.

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Em uma conversa reveladora que ambos tem consigo mesmo vemos seu descontentamento com os objetivos que a vida nos impõe. Estude, trabalhe, case, tenha filhos, se aposente, morra. O que Tyler quer é que você perceba que esta é sua vida e ela está acabando a cada minuto, que não vale a pena morrer sem cicatrizes, que se você desistir e se sentir como lixo, todos a sua volta vencerão. E por mais piegas que isso seja, ou por mais terrorista e sociopata seja sua forma de lidar com estas questões, fica claro que ele traz todo o radicalismo não presente em Jack e é justo quando este morre e os dois voltam a ser um só que temos o que Thanos chamaria de balanço.

Seja quem você é e perceba quem você é. Não apenas exista, mas viva.

E o fato de toda esta discussão moral ter se instalado por causa de uma paixão que provoca ansiedade, ciúmes, inveja, raiva e, obviamente, um desejo incontrolável e inexplicável, torna o filme algo suscetível à mais simples das explicações. “Marla você me conheceu em uma época muito estranha da minha vida e, ao receber toda a instabilidade que você traz, fui capaz de me conhecer e perceber que o que estava faltando não eram roupas, bens materiais, e nem mesmo emoções. O que faltava era reconhecer cada uma destas coisas e não apenas passar por elas. O que faltava era me sentir vivo. O que faltava era saber que eu não sabia quem eu era, era constatar que estava perdido, para então poder dizer que estou, de fato, vivendo de forma plena. Esta é minha vida e está acabando a cada minuto”. Posso estar errado, mas esta é a interpretação que tiro de toda esta loucura.

“Clube da Luta” é meu filme favorito não porque me faz pensar, mas porque me desafia a rever, constantemente, a forma como experiencio minha própria vida. Tudo isso enquanto oferece duas horas e vinte minutos de pura diversão e duas décadas (até agora) de discussões e polêmicas.

O que mais alguém pode querer de um filme?

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