Crítica | Frank Ocean - Channel ORANGE
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A primeira vez que ouvi "Channel ORANGE" não me pareceu grande coisa. Fui contra a onda que estava pronta para canonizar Frank Ocean como o novo Marvin Gaye. Hoje, não sou a favor da onda, mas parte dela. Ao longo dos anos este álbum, que já fora agraciado com todos os tipos de prêmio (obviamente não o Grammy, pois Frank Ocean é negro) no ano de seu lançamento, cresceu de forma anormal não apenas em mim, mas em muitas pessoas que esperaram pacientemente pelo lançamento de "Blonde", no ano passado (2017). Toda vez que "Channel Orange" toca é como se uma morna brisa fizesse as palmeiras da praia dançar ao som das ondas, fazendo você lembrar daquele verão especial.
Enquanto pode ser difícil de se conectar diretamente por conta de seu jeito não convencional de colocar músicas juntas, a habilidade de Ocean de contar histórias é relacionável à qualquer pessoa. "Channel ORANGE" mais do que um álbum, coeso e fluído, é uma coleção de narrativas e histórias que giram em torno de um tema universal, e após anos esse tema, o amor, se tornou interessante musicalmente de novo. Ele pode ser simples e tocante, como na excepcional "Thinkin Bout You", a música mais sincera e honesta da década. Pode ser abstrato, cheio de metáforas e segundos sentidos como na inocente e pura "Forrest Gump", ou complexo, surreal e contemplativo, com aquele toque de André 3000 e letras sobre Majin Buu em "Pink Matter". É um amor que pode até iludir como em "Pyramids" ou desiludir, em "Lost". A cada música, verso e linha, nunca é um amor simples, é sempre sobre ele e suas consequências, seu atual estado, como foi no passado e o que pode ser dele no futuro.
Enquanto as músicas se conectam em sentido, sua colocação no álbum é algo contrário à continuidade. A produção, quase toda cuidada pelo desconhecido Malay, e com alguns excelentes toques de Pharrell Williams - "Sweet Life" é quase visual de tão bem criada sonoramente - faz questão de não se repetir, e fora uma batida seca que parece regar o disco, a cada nova faixa novos instrumentos, sons e recursos são utilizados, e o som geral do álbum flerta com o soul, jazz, funk, eletrônica, sem nunca fugir do R&B e de um interminável sentimento psicodélico. As intros, em sua maioria curtas, enriquecem o sentimento geral do álbum de forma subjetiva, veja "White" onde John Mayer toca sua guitarra de forma suave, não são necessárias palavras para que ela se encaixe na atmosfera. Qualquer possibilidade de padrão é simplesmente quebrada aqui, cada música termina quando termina e marca de seu próprio jeito. Um caso raro onde todas conseguem.
O jeito de Ocean escrever é algo estranho. Diferente de outros que se aproveitam disso, ele não tem intenção alguma em revelar para quem escreve suas músicas. Ele é bissexual, e traços de suas preferências podem ser achados nos detalhes de cada canção, mas a simplicidade com que ele trabalha cada assunto é o charme aqui. É um álbum que representa o sentindo universal de amor que o século 21 esqueceu (quantos de nós não amamos a entrada do Playstation 1?), cada música é um livro totalmente diferente, uma obra de arte com seus próprios significados e montadas de forma pouco ortodoxa, de forma que apenas ele sabe fazer.
Raramente sua performance vocal não adiciona à canção. Ele é um cantor lento, que deixa sua voz se alongar e afinar conforme a música pede, sempre natural e levada ao limite a cada momento. Ele está completamente devoto e totalmente entregue a um trabalho tão pessoal, mas que em momento algum procura forçar qualquer sentimento, e nunca deixa de se divertir enquanto canta.
Ele também procura comentário social, mas isso vem em forma de alegoria, com dicas sutis sobre sua posição sobre assuntos polêmicos. O materialismo na magistral "Sweet Life", onde ele prega o amor pela praia acima de todas as merdas que ocorrem no mundo, para crianças super ricas que trabalham muito decidindo se pulam ou não de suas mansões após um passeio de carro no Jaguar de seus pais. Ele zomba desse estilo de vida, mas não deixa de amá-lo ou torná-lo vergonhosamente atraente. A profanidade em "Monks" e "Bad Religion", duas músicas sobre o mesmo assunto, mas extremamente distintas. A primeira um funk, agitado e drogado, que rima sobre a procura do Nirvana em um concerto ao mesmo tempo que trata sexo casual como um assunto religioso. Já "Religion" é lenta, tristemente conformada e relata ser um erro tanto paixões quanto religiões que te fazem se ajoelhar, tudo isso em forma de um depoimento à um motorista de táxi.
You've had a landscaper and a house keeper since you were born
The starshine always kept you warm
So why see the world, when you got the beach
Don't know why see the world, when you got the beach
The sweet life
Ele cria essas pequenas antíteses mais vezes. Quando fala sobre drogas, elas podem ser uma metáfora para um amor que te deixa nas alturas, como na envolvente "Pilot Jones", ou simplesmente o motivo da destruição de uma vida, na viciosa "Crack Rock". Por vezes o amor mostrado aqui é dotado de um surrealismo que apenas o verão pode proporcionar, veja a maravilha que é "Lost", a música mais preparada para as rádios do álbum, onde ele amigavelmente fala sobre uma namorada que servia de entregadora de seu negócio de venda de drogas como isso fosse algo natural de se colocar em uma canção pop.
Mas a peça central do álbum é justamente quando ele mistura o surreal com o mundano. Em "Pyramids" ele vêm do antigo Egito, onde Cleópatra e sua pele de bronze era rainha, mas foi deposta de sua posição por conta de uma traição, para os dias de hoje, onde ela é reduzida a uma stripper. Sua pirâmide agora é a boate, seu par agora não é nenhum rei, e sim um homem desempregado, que a idolatra com todo o amor que conhece, mas que ao final reconhece que seu amor não é mais de graça. São intensos quase 10 minutos de uma atmosfera imersiva e alucinógena, onde todos os sons do álbum se misturam e formam uma música que não se encaixa em descrições gênero. A forma como Ocean conduz seus vocais vai do desesperado, ao iludido, ao finalmente conformado, em uma das histórias de amor mais cruelmente realistas, e uma das melhores músicas do nosso tempo.
O significado de "Channel ORANGE" se relaciona diretamente à Frank Ocean, sendo que o laranja é a cor que o lembra da primeira vez em que se apaixonou. Não sabemos se isso aconteceu de novo, ou o que realmente aconteceu nessa vez em particular, mas é o que dá substância a um álbum que gira em torno desse tema. Seu apelo é além de suas letras, produção e coração, Ocean abre sua mente de um jeito tão profundo que somos praticamente intrusos, mesmo que sua figura não fique menos enigmática. É um simples álbum sobre amor, que na verdade é tão complicado como só o amor pode ser.