O Oscar 2020

Estava eu, em uma casa com todos dormindo, berrando silenciosamente enquanto terminava de assistir aquela que considero a cerimônia do Oscar mais satisfatória da história.

Nem em seu sonho mais molhado, o cinéfilo comum poderia prever o que aconteceu.

Havia, sim, uma certa possibilidade de a Academia encerrar uma de suas décadas mais polêmicas e marcadas por protestos com decisões que nos fizessem lembrar o porquê de assistirmos o Oscar ano após ano, não importando o quanto ele nos decepcione. Mas, ainda assim, tudo apontava para o convencional.

Bem, nem tanto, pois se olharmos para as estatísticas destes últimos dez anos, por mais que tivéssemos ao menos um filme de guerra em cada cerimônia, o ultimo filme de Guerra a vencer o premio principal fora “Guerra Ao Terror”, de Kathryn Bigelow, em 2009. Porém, tudo apontava para “1917”, que havia varrido os principais prêmios da temporada, levando uma grande quantidade de estatuetas.

Cinematografia já estava definido e as categorias de som, aparentemente, também, mas “Ford V. Ferrari” se encarregou de dar o primeiro baque no filme de Mendes ao levar Melhor Design de Som. Enquanto as categorias de interpretação foram se confirmando com o que todos já esperavam, foi quando Spike Lee - e seu look homenageando Kobe Bryant - subiu ao palco que todos começaram a acreditar em algo aparentemente impossível e posso jurar que, até agora, não descarto a possibilidade de ele ter lido outro nome e professado o de Bong Joon Ho de propósito.

O que aconteceu a seguir todos já sabem: “Parasita” levou Melhor Roteiro Original, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Filme, se tornando o primeiro filme a conquistar o feito sem ter a lingua inglesa como a dominante, provocando reações incrédulas por toda a internet, divididas também por Bong Joon Ho que, em uma demonstração de humildade, homenageou os diretores que pavimentaram o caminho para si.

E com isso, e por mais feliz que eu mesmo tenha ficado, é imprescindível que utilizemos uma noite onde o Oscar acertou tanto - não em tudo, mas em muito - para discutir seus erros do passado. Quentin Tarantino já ganhou dois por Melhor Roteiro Original, mas é - ao meu ver - o segundo melhor diretor vivo e não tem um Oscar de Direção. Scorsese é - indiscutivelmente dessa vez - o maior diretor vivo e tem apenas um. Zellweger já tem um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante (“Cold Mountain”, 2003) e não conseguiu salvar ou ao menos fazer com que “Judy” fosse comentado, enquanto Scarlett conseguiu o feito de ser duplamente indicada e, mesmo com um trabalho infinitamente superior, não conseguiu superar um estigma extremamente injusto de que é apenas um rostinho bonito. E é claro que Phoenix é um ator - e um ser humano - fascinante, mas sinto como se deveria ter perdido esse e ganhado uns outros três por trabalhos passados. E sim, a derrota de “Democracia Em Vertigem” era esperada, mas o simples fato de ter sido indicado e auxiliar a expor a situação que atualmente ocorre no Brasil já é um feito histórico e que temos de ser gratos.

Há também, do ponto de vista da cerimônia em si, um preço que é cobrado pela velocidade adquirida na falta de um host. Quando Chris Rock e Steve Martin subiram ao palco, foi de longe o momento mais divertido e, unindo isso à uma aleatoriedade completa dos amenos números musicais - o Oscar para Sir Elton John e a performance 17 anos tardia de Eminem (contando a amizade dos dois) na mesma noite foi um ponto alto -, é como se tivéssemos visto apenas as nomeações e premiações, e não uma festa ou celebração, propriamente.

Preciso compartilhar minha satisfação de assistir um de meus atores favoritos finalmente levar uma estatueta interpretativa: convenhamos, todos queriam que Brad Pitt ganhasse. E não que não pudessem querer Pesci ou Al Pacino também, mas assistir a uma das últimas grandes estrelas de Hollywood e um dos maiores ícones da cultura popular em sua geração, ter seu momento e ver-lo emocionado em cima do palco após ter conquistado tanto na vida, é algo que nos lembra o quão mortal todos somos. Se Brad Pitt pode chorar por receber um prêmio por seu trabalho que faz com tanto amor - e pontos para ele por mencionar tanto os funcionários e dublês que geralmente ficam por trás dos bastidores -, todos devemos reconhecer e nos orgulhar de nossas próprias conquistas.

E aqui vamos nós para mais um ano, onde será impossível que a Academia supere - ou ao menos iguale - a satisfação que tivemos de assistir ao último Oscar dos anos 2010. Mas, uma certeza, estaremos lá: reclamando, criticando e, eventualmente, vibrando na noite de gala do cinema.

Se pudéssemos não amá-lo tanto…

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