Beyond | A Rede Social: nossa década em um clique

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Ao final de “A Rede Social”, Mark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg) está sentado na sala onde, há algumas cenas atrás, prestava seu testemunho diante de diversos advogados. Marylin Delpy, a única advogada que ainda está lá, diz a seguinte frase antes de ir embora: “Você não é um cuzão, Mark. Só está tentando desesperadamente ser um.” A porta se fecha e, agora, ele está sozinho. 


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Sem qualquer um para observá-lo, ele loga na sua conta do Facebook e procura a sua ex (parte ficcional, parte verdadeira), Erica Albright. Após contemplar a tela por alguns segundos, ele a envia uma solicitação de amizade. E enquanto “Baby, You're a Rich Man” dos Beatles começa a tocar e legendas revelam o desfecho real daqueles personagens e da rede social apresentados nas últimas duas horas, Zuckerberg insiste em atualizar a página, esperando o resultado da sua solicitação.

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Tanto Mark quanto o público permanecem com a esperança de que um encerramento convencional aconteça, que a história chegue a um fim familiar. Cadê o arco de redenção? Mas, quando você "...tenta desesperadamente ser um cuzão...", uma hora ou outra você acaba conseguindo. E o perdão é escasso na era da internet, onde os erros são todos “escritos à tinta”. O que nos resta é o contraste entre o texto (anunciando que Zuckerberg é o bilionário mais jovem do mundo) e o rosto desolado e ansioso de uma das figuras que mais moldou a década.

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“A Rede Social”, que conta a história da fundação da origem do Facebook e de como Mark Zuckerberg se tornou o bilionário mais jovem da história, é uma adaptação… inteligente.

O longa acerta ao usar ferramentas de ficcionalização (que no caso do roteiro de Aaron Sorkin são os ‘diálogos-partida-de-tênis’ ágeis e cheios de ritmo, e no caso da direção de David Fincher são os movimentos meticulosamente coreografados e o clima denso) não somente para tornar a narrativa mais palatável, mas também para delinear o complexo jogo de ambições e medos de cada um dos personagens. 

Não é por acaso que o filme se inicia em um término de relacionamento e se encerra com uma súplica silenciosa por uma amizade virtual (que se traduz em um clamor pela reconexão). A história de Zuckerberg é a de alguém incapaz de sustentar qualquer tipo de vínculo verdadeiro. E a história do Facebook é a de como esta incapacidade e todas as suas consequentes manias imaturas, noções machistas e paranoias gananciosas foram massivamente ensinadas e reforçadas a toda uma geração. Graças ao sucesso da rede social, as funcionalidades da ferramenta (que foram baseadas primordialmente nos princípios de Mark) se estabeleceram como modus operandi de seus usuários mesmo quando os computadores e celulares estavam desligados.

Porque se o Facebook se tornou a nossa religião, isso significa que fomos todos feitos à imagem e semelhança de seu criador.

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Em 2003, Mark Zuckerberg desenvolvia uma das bases para a grande revolução na maneira de nos conhecermos, comunicarmos e relacionarmos. Ao mesmo tempo, ele criava um monstro que transformaria a política (ao interferir nas regras do processo democrático) e a economia (fazendo com que dados ultrapassassem o petróleo, se tornando o recurso mais valioso do planeta). Se aproveitando e reforçando o ódio e o medo, o Facebook e seus braços, (como o Whatsapp) já foram diretamente responsáveis por decisões cruciais para a história (como o Brexit), pela ascensão do autoritarismo em diversos países, pela onda de notícias falsas facilmente compartilhadas e até mesmo pela disseminação de preconceitos que terminaram em genocídio.

Mas isso já é outra história…

Ou, na verdade, nem tanto.

"A Rede Social" foi capaz de prever muitos desses temas e fez questão de apresentar Mark como um ser falho e facilmente corruptível, principalmente quando, do outro lado do jogo, existiam promessas de sucesso, reconhecimento ou a simples capacidade de exercer poder. 

Um dos estágios primários da criação do Facebook foi o desenvolvimento do FaceMash, website criado por Zuckerberg ainda na faculdade que permitia que os estudantes avaliassem a "beleza" das garotas do campus. As fotos delas? Todas adquiridas ilegalmente, através de um hack no sistema de Harvard. Para o filme, a brilhante sequência de criação do FaceMash serve para nos familiarizar - mas não empatizar - com as angústias do protagonista e o modo pelo qual ele as “resolve”. Para a vida real, o FaceMash serviu como um grande foreshadowing: desde essa época, Zuckerberg já flertava com a violação de direitos e privacidade individual…


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QUANDO OS VALENTÕES ESTÃO

NO TIME CERTO

Graças às transições dinâmicas entre as suas diferentes linhas temporais, o longa avança com facilidade. A fluidez vem, é claro, em grande parte graças à montagem. Mas este é um dos casos em que o roteiro desempenha um papel ainda mais central no desenvolvimento do ritmo. Aaron Sorkin, que conta com um estilo bem característico em seus roteiros, deixa sua marca e nosso coração pulsa ao som das palavras que ele digita. O filme é extremamente lírico e não tem medo de se aventurar em diálogos exageradamente ficcionais e trocas sagazes para extrair uma reação mais adequada do público.

David Fincher também não mediu esforços para fazer de “A Rede Social” uma obra-prima. Além de conseguir que o estúdio cedesse o valor exato que ele havia calculado para o longa, após muita negociação, ele também conseguiu manter o roteiro completo de Sorkin. O estúdio inicialmente queria cortar 30 páginas por motivos de tempo mas Fincher provou (com uma gravação no iPhone e a boa-vontade de Sorkin, que leu o roteiro completo na frente dele na velocidade pretendida) que o filme se encaixaria nas duas horas que prometia ter. Dito e feito.

Sorkin, ao ser entrevistado, descreveu o diretor Fincher e o produtor Scott Rudin como os “valentões que você quer no seu time”. E quando o resultado é um longa dessa magnitude, fica difícil não torcer por esses valentões.


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Fincher conta que sua intenção era criar “o "Citizen Kane" dos filmes de John Hughes”.

Nem Fincher nem Sorkin se comprometeram a criar um longa calcado em acontecimentos exatos sobre a ascensão do jovem bilionário. O objetivo era retratar uma época e um universo muito particular, criar personagens críveis e interessantes e, acima de tudo, contar uma boa história.

Ao contrário do que muitos (inclusive os próprios créditos do filme) afirmam, o filme não foi adaptado do livro “Bilionários por Acaso” - obra que também conta a história de Mark e Eduardo com uma estrutura narrativa que aparenta ser ficcional, mas que o escritor Ben Mezrich garante que é fiel à realidade. Sorkin e Mezrich trocaram informações algumas vezes mas escreveram suas histórias em paralelo, o que torna as experiências de assistir ao filme e ler o livro um ótimo exercício de análise narrativa: mesmo se tratando de duas mídias e duas construções de história diferentes, os temas abordados ainda conversam perfeitamente.

E o mergulho temático é justamente um dos fatores que mais ajuda a compor o brilhantismo de “A Rede Social”. Além de apresentar um alto nível técnico, o longa também faz questão de expor uma geração complexa e perturbada - ou melhor, remontar às suas origens. Ao apresentar, através de transições precisas, simultaneamente o começo (Mark e Eduardo em Harvard, desenvolvendo um primitivo ‘The Facebook’) e o final (os dois ao lado de seus advogados, travando uma batalha judicial), o longa nos propicia a experiência de assistir à história sem se preocupar tanto com o seu desfecho e dando mais foco aos tópicos abordados durante seu desenvolvimento.

E os temas do filme são vastos. Eles abrangem tanto assuntos contemporâneos quanto atemporais como masculinidade tóxica, ego, misoginia, elitismo, amizade, traição, cultura incel, comunicação e poder. O filme foi lançado ainda em 2010, mas esses assuntos permeariam a década que estava por vir. Polarização, abundância e mal-uso da informação e a antecipada, porém nociva, “vingança dos nerds”.

“A Rede Social” apresenta os temas que mais envolveram a década de 2010 em uma história real sobre poder, traição e jovens inconsequentes. É o que acontece quando a rede de conexões que guiará a forma como vivemos é desenvolvida por alguém que não consegue sequer manter um relacionamento. A sociedade, ao fingir estar mais próxima, na verdade se encontra cada vez mais distante.

E a cada dia se torna mais difícil saber quem são os seus verdadeiros amigos.

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