Crítica | Galo de Briga (1974)

HONRA AMERICANA?

Filme de Monte Hellman propõe uma visão alternativa e um anacronismo mitológico


Monte Hellman é um daqueles diretores exilados, que não se encaixam em nenhum movimento ou gênero específico na história do Cinema, um cuja árvore genealógica só pode ser reconhecida quando olhamos com distanciamento o suficiente para perceber que essa história não é linear, e sim um emaranhado do qual as diferentes vertentes e frentes tecem uma teia complexa.

De certa maneira, ele me remete a Edgar G. Ullmer e seu crescente Detour (1945), que com sua roupagem de filme B parece comentar sobre alguns dos elementos mais comuns do Noir enquanto este ainda estava em curso. Os faroestes de Hellman são, de certo modo, maquinações que representam não referências e reverências àquele que já foi, também, o maior gênero norte-americano, mas sim uma visão distanciada e específica deste. Em Disparo Para Matar (1966), vemos os restos em forma de tiroteio, em A Vingança de Um Pistoleiro (1966), vemos esses restos sendo soprados com o vento.

Talvez seja possível caracterizar Hellman como um diretor pós-gênero, que se encarrega de filmar coisas que os gêneros não filmavam. O modo como atola seus protagonistas na aridez do deserto (e não a expande), ou como cria tensão em duas conversas paralelas que antecedem o tiroteio (e não neste), a ele não interessa o que a todos interessaria, mas sim essa dimensão comumente ignorada dentro do próprio filme, e que se tornam os seus filmes.

Em Galo de Briga, vemos um protagonista de meticulosidade melviniana, que trata seus galos com o mesmo cuidado que um bressoniano trataria sua rotina de ladrão de bolso, sua fuga da prisão, ou mesmo seu trabalho como padre em uma pequena cidade. 

Um estilo de vida que traz junto a pergunta: o que faz alguém querer entrar para um mundo que se resolve em fundos de quintal e quartos de hotel, e te coloca em contato com pessoas que acham normal abusar de criaturas vivas que, em tese, para eles significam algo. É um filme que faz questão de se dissociar de tempo e espaço, criando uma espécie de deslocamento geográfico: as lutas de galos, tão mexicanas, como símbolo de uma honra tão norte-americana (o cara falar pra mulher que ela precisa ver ele no ringue é uma das falas mais geniais e patéticas que já ouvi).

E se nos faroestes comentados acima os protagonistas de Hellman já pareciam apenas dispositivos para o gênero (ou modelos, se estamos falando de Bresson), e não mais arquétipos, em Galo de Briga assistimos o que nas mãos de Hollywood seria uma clássica história de heroísmo, do homem que abdicou da própria vida para ir atrás do seu sonho de se tornar o maior lutador de galos do sul dos Estados Unidos.

Tão grande diretor é Hellman, e tão suspenso são seus filmes do mundo real (e do mundo filmado), que talvez a sequência mais importante do filme seja aquela onde o protagonista e sua amada se beijam emoldurados pelas águas em movimento do lago. Um romance que se desenvolve na tragédia do esgotamento da narrativa hollywoodiana clássica. Não há mais para onde ir, diria Hellman, nem para os gêneros, nem para os galos.

8

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