Crítica | A Pequena Sereia (2023)

Apesar de saber que meu desejo não será atendido, o reafirmo:

disney, desista dos reboots live-action.

Algumas histórias são feitas para animação. E ponto final.


Já faz alguns anos que a Disney está traduzindo para o live-action diversas de suas animações mais famosas. Começou com “Alice no País das Maravilhas”, em 2010, e após o sucesso de bilheteria deste, a fórmula fez mais diversas vítimas, incluindo “Mogli”, “Mulan”, “Cinderella”, “Cruella”, “Dumbo”, “Aladdin” e “Rei Leão”. A bola da vez é “A Pequena Sereia”, uma das animações de maior sucesso da empresa, lançada originalmente em 1989.

Para começar esse texto, é importante tirar o elefante da sala.

Halle Bailey está fantástica e é a melhor coisa do filme.

O estranhamento pelo “swap racial” dura poucos minutos, tamanha a propriedade com a qual a atriz cria sua versão da personagem, sem deixar escapar a essência de Ariel. Por sinal, diversidade é um dos poucos pontos positivos do filme: alguns personagens secundários (que eram homens brancos) foram interpretados por mulheres negras (a exemplo de Noma Dumezweni interpretando a agora Rainha Selina, mãe de Eric, que antes era rei), o que, francamente, só fez bem a história como um todo, a tornando mais palatável do que a versão branca-de-cabo-a-rabo de 89. Se você assistiu ao filme e seu principal problema com ele foi a adição de pessoas pretas, eu tenho duas notícias: a primeira é que você é racista, a segunda é que não entende muito de cinema. Se existe uma coisa positiva em traduzir animação para live-action é justamente a possibilidade de agregar representatividade e diversidade, e isso, o filme faz bem.

Porém, infelizmente, acabam aqui meus elogios.

Toda a magia da animação se perde nesse live-action.

O problema principal são os animais inexpressivos e hiperrealistas. O fofo, inocente e adorável Linguado se tornou um peixe. Um peixe. Que tipo de relação emocional o maior conglomerado de entretenimento da face da terra espera que eu desenvolva com um peixe? Ou pior, que eu acredite que a Ariel tenha desenvolvido? Mal piscar ele pisca, pobrezinho.

O caranguejo Sebastião, que era divertido, absolutamente expressivo e bem-humorado, se tornou… um caranguejo com olhinhos. E essa limitação física limita também a história: na obra original, Sebastião era maestro, um músico erudito, e a primeira sequência do filme se situa, justamente, em um concerto com todas as filhas do Rei Tritão onde Sebastião é o maestro. Na versão live-action, o elemento musical de Sebastião foi completamente apagado, assim como uma cena onde ele é perseguido em uma cozinha, e tudo isso, creio eu, foi alterado pelas limitações que a abordagem hiperrealista impõe.

O CGI (Imagens Geradas por Computador) é operante, mas fraco. Quando comparamos o longa a produções como Avatar 2, é vergonhoso, e até Aquaman conseguiu criar uma realidade aquática mais convincente. Eu não consegui ignorar, em nenhum momento do filme, o quão SECOS aparentam estar personagens que estão… submersos. Além disso, sequências como a da Ursula tornando-se gigante, aterrorizantes na animação, aqui não tem graça nenhuma.

Em termos de roteiro, o filme não se arrisca muito, mantendo a narrativa bem próxima do original, mas incha a duração com músicas e digressões desnecessárias que, francamente, devem ter sido inclusas somente para ultrapassar a marca de 2 horas e “valorizar o ingresso”. Os 80 minutos do filme original são mais do que o necessário para essa história, e 135 minutos para contá-la de forma pior é um assalto público a uma sociedade que já tem pouco tempo (e dinheiro) para ir ao cinema.

O diretor, Rob Marshall, só produziu bomba até hoje (ao menos foi o que achei de tudo que assisti dele), então não fico surpreso com sua falta de personalidade e tom sobre o longa. Além de optar por uma abordagem escura e com produção de cenários decente no máximo, descaracteriza personagens, desvalorizando ainda mais a história.

Quem mais sofre com a descaracterização feita pela direção são Úrsula e Rei Tritão.

Conhecendo o trabalho prévio de ambos, longe de mim apontar como incompetentes Melissa McCarthy e Javier Barden. Por isso mesmo, sou obrigado a responsabilizar o diretor pelo dominó de escolhas equivocadas a respeito dos personagens de ambos atores. Úrsula perdeu seu tom ameaçador, o sarcasmo horripilante deu lugar a uma ironia ambivalente. E o Rei Tritão, que era a personificação do caricato, extrovertido, dramático e enfático, aqui é um pai severo e quieto, que só faz cara feia e fala baixinho.

Alguns irão dizer que o filme é bom, outros que o filme é ruim e a discussão sobre a validade dos live-action não deve morrer nem se catalisar após o novo “A Pequena Sereia”. Porém, como amante e eterno estudante do audiovisual, me sinto no dever de indicar o simples: assista à animação original, e não a essa versão.

Apesar de entender porque a Disney segue apostando nessas releituras pelo lucro que elas geram, não consigo não sentir, a cada uma que é lançada, uma dor dupla: primeiro por saber que uma geração talvez fique alheia das incríveis versões originais, e segundo, pelo investimento que se deixa de fazer em novas histórias, de tantos novos criadores esperando por oportunidades.

Por mais que Halle se revele aqui uma atriz com potencial, e se reafirme como cantora fantástica, e a diversidade no elenco torne a história mais inclusiva (e legal!), essas vitórias não suprem as derrotas que estão incutidas em traduzir para o realismo uma história que foi feita para a animação, e depende dela, para funcionar.

2,5 / 10

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