Crítica | Annabelle 3: De Volta pra Casa
À essa altura do campeonato, parece impossível acreditar que alguém tenha medo da boneca Annabelle.
Ao menos, qualquer alguém com mais de 14 anos de idade. Após um primeiro filme vergonhoso (“Annabelle”, 2014) e uma sequência medíocre (“Annabelle 2”: Criação), o terceiro filme sobre a boneca vem com a missão de encerrar a trilogia com dignidade, ou continuar uma sequência sobre Annabelle em mais filmes. Após assistir ao longa, eu rezo que optem pela primeira opção.
“Annabelle 3: De Volta pra Casa” começa sua história com o casal Warren (que figura pela primeira vez fora dos filmes “Invocação do Mal”) levando a boneca Annabelle para seu “quarto de itens amaldiçoados”. O casal vai viajar à trabalho e tem de deixar sua filha, Judy, com uma babá em casa por alguns dias. As duas recebem uma amiga da babá, e as três jovens acabam se deparando com a força sobrenatural de Annabelle dentro de casa.
O filme é a estreia de Gary Dauberman como diretor - ele já havia trabalhado como roteirista nos outros dois “Annabelle”, em “A Freira” e como produtor em “A Maldição da Chorona”. Nas situações em que escreveu, anteriormente, não demonstrou nenhuma genialidade como desenvolvedor de histórias (estou sendo mais polido do que Dauberman merece).
Surpreendentemente, ele se sai bem como diretor. Provável que os anos trabalhando em meio aos talentos do Universo Invocação do Mal tenham lhe dado essa oportunidade. Portanto, vamos abordar primeiramente os pontos positivos do longa-metragem.
Os aspectos técnicos são muito bem executados. A montagem é respeitável, os efeitos gráficos são excelentes, a trilha musical e a mixagem de som são bons. Os produtores e cinematógrafos já são tarimbados em terror, e sabem controlar o ambiente gerando uma atmosfera aterrorizante. São poucas locações, apesar do orçamento razoável de 27 milhões de dólares. Pode-se inferir que a escolha da produção e do diretor foi produzir bem poucos ambientes do que uma dezena deles de forma medíocre. A decisão se mostrou boa: a casa dos Warren funciona em diversos contextos narrativos e até mesmo emocionais. Além disso, um longa que se passa sob o mesmo teto por bastante tempo tem a chance de aproveitar seus atores e construí-los com mais profundidade - basta termos um bom elenco. E temos.
Junto à cinematografia, a melhor coisa do filme são as atuações.
Mckenna Grace, que interpreta Judy, a filha dos Warren, tira leite de pedra aqui. Ela demonstra força e inteligência, sem deixar de lado a vulnerabilidade de uma pré-adolescente que sofre bullying pela estranheza de sua família. Sua atuação é competente suficiente para fazer o espectador relevar certas balbúrdias do roteiro e se conectar de verdade com a menina. Madison Iseman, a babá, não é ruim, mas fica na sombra de Mckenna, assim como da atriz Katie Sarife, que interpreta sua amiga e entrega, junto à Vera Farmiga, a única cena emocionante do longa. Por sinal, é importante salientar que a presença de Vera Farmiga e Patrick Wilson, por si só, já torna o filme um pouco melhor. Mesmo que eles possuam poucos minutos em tela. Dito tudo isso, falemos do elefante na sala.
É rotineiro vermos bons roteiros sendo mal executados e se tornando filmes ruins.
Agora, fazer um bom filme a partir de um roteiro ruim, é quase impossível.
Após 3 filmes com a presença da boneca, este sendo o quarto, a maior parte dos espectadores já sabe que Annabelle não faz coisas, ela causa coisas. Logo, a premissa já não é boa. É difícil criar temor sobre uma criatura que, quer queira, quer não, é inofensiva como objeto. Contudo, embarquemos nessa nau: a boneca é uma entidade que causa coisas sobrenaturais porque deseja uma alma.
É isso.
Para evitar spoilers, é melhor não entrar em detalhes sobre porque a boneca acabou escapando do quarto onde ficaria guardada e causando tumulto generalizado, mas é basicamente isso que acontece. A partir daí, ela evoca demônios, entidades, aparições e uma gama de monstros que parecem ser introduzidos ao filme apenas para que possam servir como subsídio para mais filmes do universo. Mais da metade do segundo ato se resume à correria em meio ao sobrenatural com jump scares vergonhosamente anunciados. Mesmo para mim, que sou facilmente pego por eles, nenhum funcionou.
Em meio a isso, o roteiro introduz algumas pitadas de coming of age e dificuldades com o sentimento de luto. Porém, os temas são abordados em um nível tão superficial que dói ver o potencial desperdiçado.
A pior crítica ao roteiro de “Annabelle 3: De Volta pra Casa” é que elas acabaram. Não há mais do que reclamar, pois há pouco roteiro, pouca história, pouca informação. O desenvolvimento dos personagens é praticamente nulo, e mesmo as histórias passadas das meninas, que poderiam, talvez, servir como matéria-prima para alguns flashbacks (por mais que esse seja um recurso preguiçoso) ou mais de uma linha temporal, acabam ficando soltas em meio à diálogos expositivos. O longa pode ser resumido em menos de um tweet: duas adolescentes ficam em casa cuidando da filha de um casal paranormal que viaja à trabalho e as três acabam libertando uma maldição. Elas passam por grandes obstáculos, mas acabam dando um jeito na situação. Fim.
O que faz deste filme melhor que os outros dois é sua produção, que está mais caprichada, as atuações e os próprios personagens. Por mais que a história do filme em si seja fraquíssima e, mesmo contendo ação, completamente desprovida de fatores narrativos que engajem a plateia, os personagens são os mais bem escritos da trilogia de Annabelle (junto às irmãs do longa “Annabelle 2: Criação”). Porém, é um filme de terror que falha tanto em assustar quanto em ser interessante. Desse jeito, é difícil que os méritos brilhem. Gary Dauberman é responsável pelo roteiro de “IT: Capítulo 2”, e seu trabalho como roteirista até então não é nada animador. Nos resta esperar que ele não acabe com a obra de Stephen King.
A Trilogia “Annabelle” torna-se, com seu terceiro longa, provavelmente a melhor trilogia de terror para os pré-adolescentes assistirem no Halloween.
Existe somente um demográfico que, acredito, possa aproveitar a obra: o público juvenil. Parte da transição da infância para a adolescência passa por começar a assistir filmes de horror, principalmente quando se está com os amigos. Para fazer a alegria da garotada o filme precisa cumprir alguns fatores: nada de histórias muito complexas, já que metade do pessoal ficará fazendo piada e a outra metade querendo ficar com alguém; protagonistas e personagens jovens, para gerar identificação; um vilão que dê medo, mas não medo demais, pois alguns ainda podem molhar a cama de noite se forem dormir muito assustados; jump scares telegrafados com muita antecedência para não pegar ninguém desprevenido demais. Não somente esse, como os outros “Annabelle”, cumprem todos esses requisitos. O que faz dessa a trilogia perfeita para se assistir com 13 anos.