Crítica | Vince Staples - FM!
Um álbum de rap em 2018 pode ser tantas coisas que é praticamente redundância fazer comentários deste tipo quando uma nova espécie de projeto é lançado. “FM!”, o terceiro álbum de estúdio do rapper californiano Vince Staples, o vê mudando novamente seu som e seu propósito, mas o que mais chama atenção é a forma como faz isso.
Desde o início de sua carreira, Vince criou seu próprio jeito de falar as coisas. Seus assuntos não são novidade. Um jovem de Long Beach, Califórnia, negro, com um passado envolvido em drogas, armas e preconceito que rima exatamente sobre tudo isso. Até a evolução de seus conteúdos é gradativa. Com seu último álbum, “The Big Fish Theory”, adicionando sua recente fama e sucesso a equação. O que o torna um dos melhores rappers dessa geração é o fato de que sua voz é talvez a mais sincera dentre todos os seus contemporâneos.
Ele não é tão divertido como Chance The Rapper, tão amável como Tyler The Creator, tão idolatrado como J. Cole ou tão qualitativamente intocável como Kendrick Lamar. Sua figura é mais difícil de tragar, ele não se abraça a nenhum recurso, não apela para mídia, ele é o que é, um jovem com diversos problemas por ter crescido em um ambiente nocivo, a criança boa na cidade ruim, que sobreviveu única e exclusivamente por conta de seu talento.
Summertime in the LB wild We gon' party 'til the sun or the guns come out Ele rima no primeiro verso da excelente abertura “Feels Like Summer” com uma performance cheia de groove, mas ainda com traços de um caso de depressão aparente. Nessa faixa, como em diversos momentos em sua discografia, Vince adota uma postura despreocupada, desesperançosa, algo essencial para fazer com que suas letras complexas e pessimistas não soem indulgentes. “FM!” traz essas mesmas tendências, mas não deixa de funcionar como uma experiência em territórios não explorados da complexa Vincelandia.
“Outside” que abusa de uma excelente transição de “Feels Like Summer”, tem versos mais animados sobre a vida de guerra das gangues e um refrão contagiante, mas funciona principalmente pela ironia que Vince aplica ao falar dessa vida como se fosse algo bom. Em ambas as faixas ele entende e funciona em conjunto com as beats, que trazem muito de seu som anterior, mas figuram menos entre o urbano sujo de “Big Fish”, dando um ar mais costeiro para um álbum que é, na verdade, baseado nas rádios que tocam em sua cidade natal.
Em cima desse conceito, a maioria das faixas é extremamente curta, o que, nas primeiras ouvidas, pode se tornar um tanto desengajante. Em diversos momentos você se pega imaginando o quão boas diversas delas seriam se Vince as deixasse correr para uma duração normal. Pequenas bangers como “Don’t Get Chipped” e “Run The Bands” poderiam ter se beneficiado de um pouco mais de enchimento, sendo que nunca atingem algo perto de seu potencial. “No Bleedin” é mais sombria, mas com apenas dois minutos não consegue aplicar seu peso da melhor forma.
As melhores faixas da discografia de Vince acontecem justamente quando ele consegue achar o balanço perfeito entre sua voz abalada e a energia que ele quer passar em suas letras.
Na infecciosa “Relay”, Vince recita uma faixa de André 3000 e Big Boi perguntando a todos: Do you really wanna know about some gangsta shit? e então entram a batida e a atmosfera pesada, com instrumentais que por vezes parecem não estar funcionando da maneira certa (propositalmente). De forma quase codificada narra em dois curtos versos a trajetória de um jovem que foi para a faculdade, se envolveu com uma garota, mas foi apreendido pela polícia. O impressionante está em como essa história parece tão crua e detalhadamente desmembrada em apenas dois minutos.
“FUN!” é irônica e conta com uma batida minimalista, que combina perfeitamente com os versos e intenções de Vince. Ele cresceu com uma das gangues mais famosas da área, os Crips, mas, mesmo assim, diversas vezes eles não estavam atrás de brigas ou confusão, apenas de diversão, algo que ele pede quase como uma criança pedindo um doce no simples, mas extremamente interessante refrão. A inteligência dele está em pequenas arestas que transformam o peso conceitual de seus versos. My black is beautiful but I'll still shoot at you, dawg é uma das melhores linhas de todo o álbum.
Aliadas as faixas estão skits, intros, interludes, todas em forma de propagandas de rádio, algo que, após você se acostumar, ajuda muito a ambientar o álbum da forma certa. “FM!” é ousadamente original, mesmo que pra isso tenha que sacrificar elementos que talvez o fizessem ser o melhor projeto de Vince. Talvez o skit mais interessante seja aquele que precede a caótica “Tweakin”, o fechamento do álbum. Nele, o host da rádio pede ao participante para que fale o nome de sete pessoas famosas que comecem com “V”. Após ouvir “FM!”, não é surpresa que o nome de Vince não seja falado.