Beyond | Bling Ring

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Filha de um dos maiores diretores que o cinema já viu, Sofia Coppola teve todas oportunidades de estudar e realizar suas paixões no cinema.

Fruto da geração yuppie (derivação do acrônimo de “jovem profissional urbano” em inglês) ela se transformou em uma das grandes cineastas do novo milênio com seus inesquecíveis “Virgens Suicidas”, “Encontros e Desencontros” e “Maria Antonieta”. Seus filmes não seguem as ideias dos filmes de Francis Coppola (apesar de rimas existencialistas entre suas obras), demonstrando que a diretora buscou a própria identidade, apesar da influência do pai, inclusive na maneira em que ela ganhou notoriedade. Portanto, na sua trajetória há semelhanças com as vidas dos ladrões de Hollywood Valley, Bling Ring. Jovens, alguns filhos de pessoas da indústria cinematográfica de classe média alta, mas que chamaram atenção ao realizar uma série de roubos e invasões em residências de celebridades.

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A escolha de S. Coppola por essa história e a maneira que ela contou denotam uma mirada pessoal e possivelmente comparativa entre gerações diferentes no mesmo espaço. Com um olhar apurado para o filme é notável a maneira que a história é construída na tela. Há pouca narrativa e, com exceção de alguns personagens e momentos chave, a sensação é uma imersão no estilo de vida dos personagens, nos seus roubos, nas festas e nas redes sociais. Essa escolha bastante controversa é o cerne da moralidade e do olhar que tanto a diretora quanto a autora do artigo que inspirou o filme, Nancy Jo Sales, têm sobre a história dos jovens criminosos. Esse moralismo das duas autoras é justificável, claro, mas também é contraditório especialmente na versão cinematográfica da história em que, por opção da diretora, a maior parte do tempo de tela é exibicionista e cúmplice da vida que levam seus personagens.

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No começo do filme nós temos dois avisos: inspirado no artigo: “os suspeitos usavam louboutins” e “baseado em fatos reais”, soa redundante mas na verdade a diretora está nos contando que vamos ver uma reconstrução do que foi descrito no artigo. E realmente é impressionante a constituição da proposta de uma adaptação fiel, aliás impressionam as personalidades dos membros do grupo e as falas mais impactantes do filme são reais transcrições de trechos das entrevistas dos ladrões da vida real.

A linguagem fica no limiar entre ficção e documentário na medida em que é mais interessada em reconstituição do que em uma narrativa ou jornada de pessoa ou grupo. Há uma inspiração perceptível no Cinema-direto de Vertov, com a variação contemporânea que, se no caso do diretor soviético o interesse é na realidade,

Sofia Coppola busca a hiper realidade em Bling Ring.

E é aí que a ideia de um conflito geracional entre diretora e história se tornam interessante e centrais para o conjunto de técnicas escolhidas. Se Sofia Coppola é da geração da prosperidade e consolidação do Sonho Americano, a primeira geração que viveu sem ter guerras, sem crise econômica e representava a consolidação do capitalismo no mundo, a história de Bling Ring fala da geração “millennial”, que é o símbolo do neoliberalismo e do futuro perdido que ele traz, da decadência da identidade e da degradação das relações das pessoas, especialmente jovens, com o mundo. Essa degradação constantemente é associada ao espetáculo das super celebridades, dos reality shows que são os elementos da substituição da vida real pela simulação televisionada. Esse fenômeno já havia sido identificado pelo sociólogo francês, Jean Baudrillard, no seu livro Sociedade do Consumo: “A  verdadeira realidade é abolida e volatizada, em proveito da neo realidade do modelo materializado pelo próprio meio de comunicação”. 

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Desde a primeira cena de Bling Ring temos personagem sem personalidade e sem ação sobre as próprias vidas cujos ídolos são atores ou artistas, nunca falam sobre filmes mas sim sobre suas roupas e nunca estão realmente engajados na sua vida tanto quanto na reprodução dela em rede social. Esses pontos são essenciais para interpretar o porquê de jovens ricos escolherem celebridades como objeto de fetiche e símbolos pessoais a ponto de roubar as suas roupas.

A personagem de Rebecca (Katie Chang) efetivamente tenta simular a vida de Paris Hilton e Lindsay Lohan.

E a escolha de famosos pouco relacionados com arte de fato é um sintoma de um grupo que tem ídolos que são famosos apenas por serem famosos, mesmo quando os alvos são Megan Fox e Orlando Bloom pros jovens do filme eles são relacionados a seus parceiros ou roupas, poucas vezes com arte. 

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O escritor francês Guy Debord escreveu que “o simulacro não se tornou o mundo real, mas é o mundo real dilacerado que passou a se apresentar sob a forma de espetáculo, unificando falsamente a nossa percepção e impondo o “monopólio das aparências” (em Sociedade do Espetáculo), essa frase é a essência da maneira que Sofia Coppola, e também Nancy Jo Sales, abordaram a história da gangue de Hollywood. Essa análise é possível a partir de elementos que estão incluídos até na investigação da polícia da Califórnia como o vídeo de Nick Prugo, um dos ladrões, dançando na frente da sua webcam (cena que foi reconstituída fielmente no filme).

O moralismo está na visão de que esses jovens também reproduzem o comportamento de seus ídolos que ao mesmo tempo os leva a fama e preenche o vazio das existências deles. 

Os roubos aos artistas não são a única atividade das suas vidas, mas são parte de um universo de comportamentos destrutivos ou, pelo menos, atividades sem sentido, em nenhum momento temos a visão dos personagens tendo alguma ação que não seja auto destrutiva ou não exibicionista. Mesmo quando mostra a educação doméstica que Nicki (Emma Watson) e Sam (Taissa Farmiga) recebem temos uma das cenas mais impressionantes do filme em que a escolhida para o exemplo feminino forte é Angelina Jolie e as opiniões delas sobre a atriz são relacionadas à sua aparência ou mesmo ao seu marido. Aliás, a personagem de Emma Watson é facilmente a mais impressionante e mesmo que o filme não tenha protagonista ela rouba a cena e agoniza o público. E é importante falar que isso também é bastante fiel a personalidade de Alexis Neiers, que na época dos roubos gravava um reality show para o canal E! depois ter chamado atenção por ser contratada para ir a festas de elite em Hollywood.

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O monólogo que abre o filme é uma transcrição de entrevista que ela concedeu durante os processos “Eu realmente acredito em carma. E acho que essa situação entrou em minha vida para que eu pudesse aprender uma importante lição para crescer e me desenvolver espiritualmente. Posso me ver me transformando em alguém como a Angelina Jolie. [...] Eu quero comandar uma grande instituição de caridade, eu quero comandar um país, até onde sei". Aliás a própria escolha de Angelina Jolie como modelo ideal ao invés de alguma mulher da política ou do mundo empresarial é uma representação de mudanças no padrão ético da sociedade.

E a vida de Alexis Neiers é um símbolo da tentativa de simulação da realidade que Sofia Coppola tenta representar em Bling Ring.

Bling Ring não é unanimidade, nem haveria de ser. Como disse, a diretora faz uma série de escolhas controversas para contar a história dos ladrões de Hollywood, apostando no uso da câmera como objeto de observação e imersão da vida de seus personagens. A edição de Sarah Flack é irregular e provoca incomodação ao usar técnicas pessoais, inclusive o zoom direto para ambientar Hollywood e causar desconforto nas cenas pessoais e próximas aos personagens. Escolhas justificadas pelo olhar ético e pessoal que Sofia Coppola coloca na história e também como experiência narrativa.

A ideia de um filme que emule a simulação de vida que os seus personagens interpretam dá personalidade a um filme sobre a dificuldade de uma geração de construir identidade no mundo. 

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